CARLOS UQUEIO: FOTOJORNALISTA DO domingo HÁ 7 ANOS
Gosto de fotografar pessoas desamparadas
Texto:CAROL BANZE
Não basta inventar a máquina, é preciso ‘entrega-la’ na mão de quem a sente com o coração. Entenda-se, portanto, que “o fotógrafo idealiza a fotografia. Ela começa da mente, do cérebro, depois vai para o olho, depois para o coração”, diz Carlos Uqueio, fotojornalista. É pois no coração onde tudo termina, mas também inicia. Deste modo a fotografia ganhou espaço na vida deste moçambicano, pai do Carson, natural e residente em Maputo. Iniciou a carreira na fotografia em 2007, pela mão do vizinho, Bernardo Obadias, “que me convidou para ser seu ajudante, quando fotografávamos casamentos, aniversários, baptismos, etc.”. É formado em Química analítica, pelo então Instituto Industrial e Comercial da Matola; em ensino de Inglês pelo Instituto de Formação de Professores da Matola; em fotografia, pelo Centro de Documentação e Formação fotográfica, e camera-man e edição de video, pela Academia de Comunicação.
Como define fotografia? Fotografia é o retrato da alma. Quando vejo as fotos que faço ou dos meus colegas, consigo ver o pensamento e o sentimentos que quisémos transmitir naquele momento. Eu consigo expressar os meus sentimentos, positivos ou negativos: alegria; angústia.
A sua relação com a máquina fotográfica é afectiva….
Bom, o que eu sei é que a fotografia parte do interior. O fotógrafo idealiza-a. Ela começa da mente, do cérebro, depois vai para o olho, depois para o coração….
Estamos a falar de um trajecto até se chegar ao produto final.
Sim, sim. E nesta minha relação com a máquina fotográfica é como se ela fosse mais um membro do corpo humano. Um membro extra que completa a fotografia.
Vejo que ela é vital para a sua existência, como ser humano.
Muito importante, pois através da fotografia eu conto histórias. Se formos a ver, num contexto geral, ela é importante para o registo da vida de uma nação. Por exemplo, temos fotografias do nosso saudoso Presidente Samora Machel. Os que não o conheceram passam a conhecê-lo. Um facto a destacar em torno desta importância, é que até a estátua de Samora Machel implantada na cidade de Maputo é originalmente uma fotografia. O artista que desenhou a estátua baseou-se na fotografia.
Podemos afirmar que o fotógrafo é membro activo da sociedade?
Sim, e para além da história política, entramos igualmente nas famílias, para registar vários momentos, apesar de, hoje dia, qualquer um poder recorrer às tecnologias.
Não é qualquer um que pode fotografar?
Todo mundo pode, até uma criança de 2 anos, com os telefones inteligentes. Mas, na fotografia existem categorias: o profissional é quem tem mais domínio, mais técnica.
E isso faz toda diferença....
Faz. Vou dar um exemplo, falando de outro aspecto. Vou falar de mim, como repórter fotográfico. Na rua há muita coisa que acontece, o que chamamos de ‘soltas’. Mas, nem toda gente consegue captar. Podemos sair em grupo e somente eu conseguir fotografar um detalhe que escape aos outros. É a partir daí que reforçamos a parte que diz: “todo mundo pode apertar o botão da máquina fotográfica, mas é preciso ter olhar de lince. É o que marca diferença entre um amador e um profissional. Fora que as tecnologias vieram prejudicar a quem vive disto. Falando de mim, a fotografia é que me alimenta, sustenta a minha família, paga as minhas contas.
Fotografar é uma arte?
Sim, porque envolve inspiração, que se cultiva de várias formas: lendo livro, vendo filmes.
A criatividade cultiva-se, não é?
Sim, cultiva-se, e a fotografia é resultado do que vemos, ouvimos e falamos. É o retrato do nosso dia-a-dia.
Qual foi a sua pior fotografia?
- (Risos). Não olharia nesses termos, mas a cada dia que passa, olho para trás e vejo algumas sem grande impacto, porque há uma evolução. Olho e penso: “nesta fotografia, se eu tivesse ficado num outro ângulo mais adequado, teria obtido melhor clique”.
E pode eleger ‘A FOTOGRAFIA’ de sua autoria?
A de um senhor que encontrei deitado por cima de um gerador. Debaixo da sua cabeça tinha uma bíblia.
Qual foi a interpretação que você fez?
Primeiro, deixa-me dizer que o senhor não estava isolado, passava gente por ali. Passou-me pela cabeça que a sociedade deve ter consciência de ajudar a quem precisa. Precisamos de ser solidários. Aquele homem poderia até passar por doente mental, não sendo. Poderia se tratar de um desamparado. E eu gosto de fotografar pessoas desamparadas.
Porquê?
Porque perdi o meu pai numa altura em que eu era muito jovem. Nesse momento, ninguém me ajudava financeiramente e nem emocionalmente. Eu não tinha ninguém. Às vezes, eu saía do internato (morou no internato da escola), isolava-me, ficava de cabeça apoiada no braço… podia-se pensar que eu era um doente mental, mas não era (…) o meu pai foi meu grande amigo, apoiava-me em tudo. Por isso fotografo para mostrar o que senti naquela altura.
Que espaços as suas obras já alcançaram?
Ela é também conhecida em alguns países, sobretudo através das redes sociais. Há 4 anos fui convidado para fazer uma exposição no Brasil, mas não chegou a acontecer porque eu estava numa missão de trabalho no Vietname. Mas tenho admiradores em Angola, amigos com quem troco palavras, ideias e promessas de nos vermos após o controlo da pandemia.
Já expôs em Moçambique?
Individualmente não, mas já participei em várias exposições colectivas, uma delas é World press photo, subordinada ao tema “Crenças e religiões”. Tenho projecto de expor individualmente, porque o meu sonho é ser um fotógrafo de referência ainda jovem ao nível nacional e internacional.
A sua profissão já lhe trouxe dissabor?
Sim. Recordo-me de certa vez que saí para fotografar, numa reportagem feita com André Matola. Pretendíamos destacar, nessa altura, o trabalho positivo desenvolvido pela Polícia de Trânsito (PT) nas estradas da cidade de Maputo. Estava em frente ao Cinema Scala e, de repente, apareceu um PT de motorizada, ficou diante de mim e questionou o que eu estava a fazer. Expliquei-lhe, mas não o convenci, pelo que chamou um carro de patrulha. Nesse momento, o Matola estava a tomar um café. Liguei-lhe e disse que estava numa ‘encrenca’. Tive medo que me tirassem a câmera, por isso tirei o cartão e escondi. Quando apareceu o carro, levou-nos até à primeira esquadra, onde fomos identificados e tivemos de nos explicar. Passado algum tempo, deixaram-nos ir embora.
Perguntas corridas
Uma reportagem fotográfica?
Yo Mabalane
Um fotógrafo?
- Alfredo Mueche.
Um lugar ou coisa que te inspira?
Gosto muito de ver machambas.
Uma paixão?
Máquina fotográfica.
Quando teve a sua primeira?
Em 2010, a analógica.
Uma máquina fotográfica?
- Nikon.
Uma desilusão?
Desonestidade de algumas pessoas.
