terça-feira, 29 de outubro de 2024

 Por que o fotojornalista merece respeito nas manifestações violentas em Moçambique?

Artigo de opinião escrito por: Carlos Uqueio, repórter e monitor em fotografia jornalística e documental
Em Moçambique, as manifestações e protestos, principalmente aqueles que acabam em violência, têm sido cada vez mais comuns. Nesse cenário, o fotojornalista desempenha um papel fundamental. É ele quem registra o que está acontecendo, captando não só imagens, mas histórias, e apresentando ao público a realidade do momento. No entanto, infelizmente, muitos manifestantes tratam este profissional com hostilidade, o que enfraquece a própria causa do protesto.
O fotojornalista não está ali como adversário ou ameaça, mas sim como uma testemunha e uma ponte entre os manifestantes e o mundo. Com suas imagens, ele denuncia injustiças, documenta os pedidos de mudança e mostra o lado humano dos protestos. Suas fotos são importantes para dar visibilidade às causas defendidas, ajudando a construir uma narrativa justa sobre o que está acontecendo. Allan e Zelizer (2004), em seu estudo sobre jornalismo em tempos de conflito, destacam como a presença de jornalistas e fotojornalistas em cenários de alto risco é essencial para informar o público e permitir um entendimento mais profundo do contexto, especialmente quando a liberdade de expressão e a documentação de injustiças estão em jogo.
Quando manifestantes agem com desconfiança ou até mesmo violência contra este profissional, acabam prejudicando o próprio movimento. Ao dificultar o trabalho do fotojornalista, os manifestantes enfraquecem sua própria voz, pois deixam de mostrar ao mundo as injustiças que os movem. Sem registros visuais, a sociedade perde uma parte importante da história e, com isso, é mais difícil entender e apoiar a causa.
É claro que, em momentos de alta tensão, os manifestantes podem ter medo de que suas imagens sejam usadas contra eles ou que suas identidades sejam expostas. No entanto, ao ver o fotojornalista como aliado e parceiro, e não como inimigo, o movimento se fortalece. Respeitar este profissional, permitir que ele faça seu trabalho e garantir sua segurança são atitudes que só contribuem para que a luta seja mais legítima e compreendida por todos.
A verdade é que o trabalho do fotojornalista que cobre manifestações violentas exige coragem. Ele está lá por um compromisso com a informação e a verdade, enfrentando riscos para que o público tenha acesso ao que realmente acontece nas ruas. Allan e Zelizer (2004) ressaltam que o compromisso dos fotojornalistas com a verdade é o que torna possível um registro fiel dos eventos, ajudando o público a compreender a realidade e promovendo uma sociedade mais justa e transparente. Ao respeitar o fotojornalista, os manifestantes também protegem o próprio direito de lutar por uma sociedade mais justa.
Promover o respeito ao fotojornalista durante manifestações não é só uma questão de segurança, mas também de fortalecer a democracia. Para que o direito de se manifestar e o direito de informar coexistam, é fundamental que todos, incluindo manifestantes e forças de segurança, entendam que o fotojornalista está ali para ajudar a contar uma história verdadeira.
Em resumo, o fotojornalista é um aliado na busca por justiça e mudança. Suas imagens não só captam o momento, mas também criam um legado visual que pode inspirar apoio e compreensão em outros lugares e épocas. Respeitar este profissional é, acima de tudo, um acto de respeito à própria causa. Quando os registros dos tumultos de Moçambique ganham o mundo, é a voz dos manifestantes que se amplia, e é a luta por justiça que ganha força.
Referência pesquisada
Allan, S., & Zelizer, B. (2004). Reporting War: Journalism in Wartime. New York, NY: Routledge.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

                       Pés e pedais a palmilhar o futuro

Texto de Gil Filipe e fotos de Carlos Uqueio. Reportagem publicada no jornal noticias, 26/10/2024

A  ou aos pedais, estes petizes fazem vários quilómetros à busca do conhecimento. São de uma zona recôndita da província de Tete, onde estivemos recentemente, e fazem-se de sonhos e de perseverança. As longas distâncias que palmilham não são ferramenta para a desistência, antes para mais determinação na também longa distância que as separam do sonho de um amanhã risonho. Têm certeza disto porque dos pais e da comunidade em que estão inseridos recebem as mais belas - e certas - palavras de encorajamento: o amanhã depende delas, depende da sua dedicação hoje, da devoção que dão às suas ambições de futuro. Mais do que fotos, do nosso repórter Carlos Uqueio, mostramos hoje neste espaço passos e pedaladas rumo a um amanhã risonho para aqueles meninos.















terça-feira, 1 de outubro de 2024

 A Importância da Fotografia na Criação de Estátuas: Um Olhar Crítico

 Artigo de opinião escrito por: Carlos Uqueio, repórter e monitor em fotografia jornalística e documental.

A fotografia desempenha um papel fundamental na elaboração de estátuas, servindo como uma ponte entre o passado e a arte contemporânea. Obras como as estátuas de Samora Machel e Eduardo Mondlane, em Moçambique, são exemplos notáveis de como a fotografia é preservada e reinterpretada através da escultura. Importa referir que, no processo de elaboração dessas estátuas, os artistas tiveram que recorrer a fotografias feitas por fotógrafos renomados da época. Para os artistas, as fotografias do passado não apenas fornecem referências visuais, mas também capturam a essência dos indivíduos retratados, permitindo que suas histórias sejam contadas de forma mais autêntica

O uso de fotografias na escultura é apoiado por diversos estudiosos. O crítico de arte John Szarkowski argumenta que "a fotografia é uma forma de explorar a verdade da experiência humana" (Szarkowski, 1973). Esta verdade é essencial quando se busca recriar figuras históricas que representam identidades nacionais e colectivas. Ao se basear em fotografias, os artistas podem infundir suas obras com nuances emocionais e contextos sociais que, de outra forma, poderiam ser perdidos.

Outro autor relevante é Roland Barthes, que em seu ensaio "A Câmara Clara" fala sobre a relação entre a imagem fotográfica e a memória. Barthes afirma que "a fotografia não é apenas uma representação, mas também uma evidência do que foi" (Barthes, 1980). Essa evidência é crucial na construção de estátuas que desejam honrar figuras como Machel e Mondlane, cujas vidas e legados continuam a ressoar na sociedade contemporânea.

Entretanto, sem me envolver na polémica sobre a originalidade da estátua recentemente inaugurada em homenagem ao saudoso Eduardo Mondlane, considero inegável que o trabalho da fotografia é fundamental nesse processo criativo. O fotógrafo não apenas captura a aparência, mas também a essência de um momento e de uma pessoa, oferecendo ao artista uma base sólida para construir sua interpretação. Esse diálogo entre fotógrafo e escultor enriquece a obra final, transformando a estátua em um verdadeiro monumento à memória e à história

Portanto, a fotografia não deve ser vista apenas como uma ferramenta, mas como uma forma de arte que contribui significativamente para a criação escultórica. Reconhecer essa interdependência é essencial para entender o papel dos artistas que, através da escultura, preservam e reinterpretam a memória coletiva.

Referências pesquisadas

- Barthes, R. (1980). A Câmara Clara: Nota sobre a Fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

- Szarkowski, J. (1973). Looking at Photographs. Nova York: The Museum of Modern Art.