segunda-feira, 17 de novembro de 2025

                                            O ventre que dá e tira vida!

Carlos Uqueio

Há acontecimentos que nos obrigam a parar, não para analisar como técnicos, mas para sentir como seres humanos. Foi assim quando li esta semana sobre as duas mulheres de Inhambane que mataram os próprios filhos. Não consegui apenas passar os olhos pela notícia. Fiquei imóvel por alguns segundos, a tentar compreender como chegámos a este ponto em que a vida se perde dentro da própria casa, no colo de quem devia proteger.

Antes de qualquer julgamento, é preciso encarar a verdade dura por detrás destes crimes. Em ambos os casos, há um fio comum que não pode ser ignorado. Os homens recusaram assumir a paternidade. Suspeitaram das mulheres. Questionaram a origem das crianças. E quando o lar se transforma em tribunal, a mãe deixa de ser esposa e passa a ser ré. Foi nesse ambiente carregado de dúvida, medo e rejeição que estas mulheres se viram encurraladas.

Penso nelas muito antes do gesto final. Imagino o olhar perdido da mãe de Vilankulo, confrontada por um homem que lhe virou as costas e lhe negou não apenas apoio, mas o reconhecimento do próprio filho. Imagino a de Inharrime, carregando a responsabilidade sozinha, sabendo que qualquer passo em falso podia significar ficar sem casa, sem companheiro, sem sustento. É fácil condená-las agora, mas ninguém quer saber o que elas enfrentaram no antes.

Isso não justifica o que fizeram. É impossível justificar. Mas ajuda a entender o terreno fértil onde nasce uma tragédia deste tamanho. Uma mulher que sente o chão a fugir debaixo dos pés perde a clareza espiritual, perde a força emocional, perde até a própria identidade. E quando o espírito se quebra, o amor que devia ser instinto torna-se ruído distante.

Estas mortes são o reflexo de um mundo onde a maternidade continua a ser romantizada, mas pouco protegida. Espera-se que a mulher aguente tudo, mesmo quando tudo já ruiu. Espera-se que seja forte, mesmo quando está a ser destruída por dentro. Espera-se que cuide, mesmo quando ninguém cuida dela. A pressão social, a rejeição dos parceiros e a solidão espiritual criam um deserto onde a esperança não germina.

E depois perguntamos como é possível uma mãe matar o filho. A resposta é mais amarga do que gostaríamos. É possível quando a sociedade vira as costas. Quando os homens recusam assumir as suas responsabilidades. Quando a fé se transforma num ritual vazio, incapaz de curar. Quando o lar deixa de ser abrigo e se torna campo de batalha.

A verdade é que essas mulheres não cometeram apenas um crime. Elas chegaram ao fundo de um poço onde já não viam luz. Estavam espiritualmente esgotadas, emocionalmente desfeitas e socialmente sozinhas. Perderam a confiança nos maridos, perderam a confiança na comunidade e perderam a confiança em si mesmas. E quando uma mulher perde a confiança em tudo, perde também o discernimento para proteger a vida que gerou.

Não basta prender estas duas mães. Não basta escandalizar-nos por alguns dias. É necessário olhar para o que realmente está a acontecer no interior das casas deste país. A espiritualidade está enfraquecida. A solidariedade desapareceu. As responsabilidades estão mal distribuídas. Os homens tornam-se pais apenas quando lhes convém. As mulheres procuram sustento emocional e encontram portas fechadas.

O que aconteceu em Inhambane não é apenas crime. É diagnóstico. É aviso. É um retrato cru da alma ferida de uma sociedade que já não sabe cuidar das suas próprias crianças nem das suas próprias mães.

Enquanto não resgatarmos o valor sagrado da vida, não no discurso, mas no convívio diário, continuaremos a assistir a ventres que, por desespero, tiram a vida que um dia deram. E cada caso destes devia fazer-nos perguntar, dolorosamente: quem falhou primeiro? Quem virou as costas? Quem abandonou quem?

Porque no fim, estas crianças não foram mortas apenas pelas mães. Foram mortas também pela indiferença que se instalou entre nós.