domingo, 29 de julho de 2018

Vida e desespero nas “colónias” de Maputo
Texto: Pretilério Matsinhe
Foto: Carlos Uqueio


 Gabriel Sarmento (4 anos) e Hélio Júnior (5
anos) tentam aliviar-se da fome chutando latas e
pedras quando no horizonte paira a expectativa
de mães que esperam, impacientemente, pelo
regresso dos pais com alguma coisa para comer.
Os seus rostos, pálidos, parecem de dois
pássaros assustados e que não estão
acostumados a receber visita.
Popularmente se designa por “colónias”
ajuntamentos informais improvisados em ruínas
de edifícios abandonados. Nelas vivem pessoas
de todas as idades, incluindo famílias inteiras –
mãe, pai e filhos.
                                 
Gabriel e Hélio nasceram numa das “colónias”
localizadas em frente ao Cine África, na
Avenida 24 de Julho, nas “costas” do Mercado
do Povo, na cidade de Maputo, onde lixo, latas,
plásticos, garrafas e papéis disputam espaço
com humanos, num ambiente temperado por
águas negras, de cheiro nauseabundo.
Ali a fome tem presença constante. A comida,
quando existe, é confeccionada em latas. Tudo
está partido. Pratos, copos. Não existe carvão ou
lenha. Ramos de árvores dão uma ajudinha para
aquecimento do pouco alimento que aparece.
A Direcção do Género, Criança e Acção Social
da cidade de Maputo estima em mais de 30 as
“colónias” que acolhem mais de 200 crianças
que vivem nestas condições.
                                  
O DESESPERO DAS MULHERES
Grande parte das mulheres entrevistadas
enfatiza que teve bebés ali nos escombros,
vivendo no desespero de vê-las a crescer sem
futuro.
Marlene José, 34 anos de idade, é natural de
Xai-Xai, província de Gaza. Embora a memória
lhe traia sobre a data em que chegou a Maputo,
tem certeza que veio em busca de
oportunidades. Mãe de Gabriel Sarmento, de 4
anos, está grávida de sete meses.
Com uma lágrima a lhe espreitar nos olhos,
disse que depois do partoo seu desejo é levar as
crianças aGaza, para poderem conhecer a avó.
“Nunca visitei a minha mãe. Ela nem sabe
que tenho filho e agora estamos a tentar
juntar algum dinheiro para a compra de
roupas para a criança que virá ao mundo
daqui a dois meses.Depois, tentaremos ir a
Gaza, porque as coisas estão difíceis aqui”,
sublinha.
                                      
Bem ao lado, estava sentada Mónica Pedro, 20
anos, mãe de um filho e grávida de quatro
meses. “Tive a primeira gravidez e como já
não vivia com os meus pais, não quis dar
despesas aos meus tios. Saí para viver com o
meu marido e, infelizmente, é aqui onde ele se
encontra”,conta.
As mulheres sonhamem possuir casas onde
poderão residir com os seus filhos. “O desejo é
ter minha casa e abrir um negócio. Aqui
vendemos latas e ferro, mas não
rendemnada”, explica Beatriz Massingue, 31
anos, e mãe de Hélio Júnior.
                                    
Há cada vez mais menores a viver na rua
‒Maria Argentina Simão, directora do Género,
Criança e Acção Social da cidade de Maputo
Maria Argentina Simão disse que o número de
moradores de rua tende a crescer, traduzindo,
sobretudo, o drama de menores de idade.
Acrescentou que presentemente há um
movimento colaborativo entre os centros de
acolhimento de todos os distritos com o intuito
de se devolver as crianças ao convívio familiar.
Disse que há um trabalho que está a ser feito
junto aos centros de formação profissional, para
garantir uma formação aos jovens e adultos.
“Notamos que as crianças vão à procura de
melhores condições e acabam fazendo
alguma coisa, como lavar carros. Então, não
só pedem. Também reconhecemos que há
exploração de trabalho infantil, mas é uma
luta longe do fim”, enfatizou.
No que diz respeito às “colónias”, Simão
reconhece que não há um apoio directo às
famílias. “Se dissermos que damos comida, as
pessoas vão nos exigir e não estaríamos a ser
coerentes. Gostaríamos que canalizassem as
ajudas aos locais próprios”, apelou,
acrescentando que nos últimos três meses foram
tiradas da rua 65 crianças.
“O nosso desafio é pô-las de volta às suas
casas, porque elas todas saem de algum sítio.
Algumas dessas senhoras ficam na rua a
vender coisas, no final do dia não vão para
casa, dormem naqueles locais, mesmo
sabendo que são chefes de casa. O nosso
trabalho é sensibilizar”, concluiu.

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