quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

 A comunidade e o pós-violência

Texto de  Carlos Uqueio, publicado no jornal domingo, 26/01/2025

 

Como repórter, já estive em lugares marcados pela destruição. Meu trabalho é registar imagens e histórias para mostrar o impacto que os momentos de crise deixam na sociedade. Mesmo assim, visitar os locais destruídos pelas manifestações violentas, após o anúncio dos resultados eleitorais em Dezembro, marcou a minha jornada de forma profunda. Não foram apenas as cenas de caos e desordem, mas o que elas representam para nossa sociedade.

A destruição foi grande. Ao longo da Estrada Circular de Maputo, em bairros como Nkobe e Machava-sede, Bunhiça, entre outros, era impossível ignorar os rastos de destruição. Lojas saqueadas, restaurantes incendiados e até postos policiais reduzidos a cinzas. Mas o impacto não está só no que vemos. O que está por trás dessas imagens é ainda mais preocupante: a forma como essas acções afectam o equilíbrio e a convivência entre as pessoas.

Os prejuízos não foram apenas materiais. Empresários perderam seus negócios, muitos trabalhadores ficaram sem emprego e, pior, a sensação de segurança foi abalada. Quando postos policiais que simbolizam a ordem e protecção são destruídos, a mensagem que fica é a de que nem mesmo as instituições básicas estão a salvo. Isso  me faz questionar: como recomeçar neste clima?

Os dias que se seguiram às manifestações foram marcados por um silêncio inquietante. Não era o silêncio de alívio, mas de incerteza e desespero. As pessoas  estão perdidas, sem saber o que esperar. A falta de oportunidades aumenta e o futuro parece cada vez mais distante.

Nas redes sociais e nas ruas, além das perguntas difíceis como “Para onde vamos?” e “Como reconstruir o que foi destruído?”, muitos ainda tentam encontrar uma chance de recomeçar. É comum ver pessoas a divulgarem seus currículos, pedindo por qualquer tipo de trabalho, mesmo que seja para varrer um quintal ou lavar louça. No entanto, com tantos empresários afectados pela crise, as contratações tornaram-se raras e a esperança de dias melhores parece cada vez mais frágil.

Além dos danos materiais, o impacto mais forte foi na confiança. A violência não afectou apenas os negócios, mas também as relações entre as pessoas. Quando algo assim acontece, todos olham uns para os outros com desconfiança. Isso é ainda mais difícil de reconstruir do que os prédios e as lojas destruídas.

Apesar disso, existe uma resposta que nos dá esperança. Em várias áreas atingidas, a população está a mobilizar-se. Mesmo sem muitos recursos, comunidades estão a reconstruir postos policiais e a tentar organizar os bairros novamente. Esses esforços mostram algo muito importante: a força da união. Quando as pessoas se juntam, conseguem enfrentar até as situações mais difíceis.

Mas é preciso ir além. Afinal, reconstruir prédios e fachadas é importante, mas o desafio verdadeiro é reconstruir o que não se vê: o sentimento de confiança e de pertença. Isso exige um esforço colectivo. Precisamos de pensar no que nos trouxe a esse ponto e encontrar formas de evitar que algo assim aconteça novamente.

Como sociedade, estamos em um momento crucial. Se aprendermos com a dor e a destruição, poderemos construir algo mais forte e mais justo. No entanto, se ignorarmos o que aconteceu, corremos o risco de repetir os mesmos erros. Precisamos de nos unir para não deixar que a violência nos defina, mas sim a nossa capacidade de superação.

As respostas não são simples, mas o caminho começa com pequenas acções. Ao reconstruir as relações, podemos transformar essa tragédia em uma aprendizagem. O que restará das cinzas não será apenas o que foi destruído, mas o que decidirmos construir juntos: um futuro melhor, com mais respeito, solidariedade e paz.

 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

O Regresso triunfal de Venâncio Mondlane: Um Dia Histórico no Aeroporto Internacional de Mavalane  

Na manhã chuvosa de 9 de janeiro de 2025, a história política de Moçambique viveu mais um capítulo marcante com o regresso do candidato presidencial Venâncio Mondlane ao país. Apesar de eu estar de férias, a minha paixão pela cobertura de momentos históricos obrigou-me a pegar um comboio rumo ao Aeroporto Internacional de Mavalane, com o objectivo de fotografar este retorno tão esperado quase por todos.


Após desembarcar do comboio, caminhei decidido até ao terminal internacional. No entanto, o percurso foi repleto de obstáculos. As FDS já haviam bloqueado o acesso ao terminal, permitindo apenas a entrada de pessoas com viagens marcadas. Até mesmo jornalistas enfrentaram dificuldades para se aproximar. Por sorte, consegui passar, mesmo diante de um ambiente tenso e restrito.  


A vibração do dia atingiu o clímax quando foi anunciado que o vôo trazendo Venâncio Mondlane já estava em solo pátrio. A multidão que se encontrava nas proximidades explodiu em celebração. Já posicionado com a minha câmera, aproveitei cada instante para registrar as imagens marcantes daquele momento.  


Após desembarcar e falar brevemente à imprensa, Mondlane seguiu em caravana rumo ao mercado Estrela Vermelha, acompanhado por uma multidão eufórica. Eu, juntamente com colegas do jornal Savana, entre eles Ilec Vilanculos, Argunaldo Nhampossa e o motorista Danilo, seguimos o cortejo pela avenida dos Acordos de Lusaka, que estava completamente lotada por pessoas de todas as idades. A magnitude daquela multidão foi algo sem precedentes para mim. A única referência similar que tinha eram vídeos do funeral do ex-presidente Samora Machel.  


Ao chegar ao mercado Estrela Vermelha, um local que já transbordava de apoiantes, Venâncio Mondlane subiu em seu veículo, rodeado por seguranças, e iniciou um breve discurso. Segurando uma Bíblia, declarou com firmeza: "Não irei esperar até o dia 15 de janeiro para ser empossado; agora mesmo me declaro presidente de todos os moçambicanos." Essas palavras inflamaram ainda mais os ânimos, e a multidão respondia em uníssono, gritando seu nome.  


De repente, o som de balas disparadas rompeu o entusiasmo. Ninguém sabia ao certo de onde vinham, mas era evidente que se tratava da Unidade de Intervenção Rápida, que bloqueava todas as vias de acesso ao local. O comício foi interrompido imediatamente, e Mondlane foi levado às pressas em seu carro.  


O pânico tomou conta da multidão. Pessoas corriam em todas as direções, sem rumo, buscando segurança. Eu mesmo tive que abandonar o local às pressas, priorizando minha própria segurança. Apesar do caos, senti que havia cumprido minha missão de documentar um dia que ficará para sempre marcado na memória colectiva do país.  


Diante deste acontecimento, resta saber como os próximos capítulos dessa história se desenrolarão.