quinta-feira, 26 de junho de 2025

                          FUNCHO


O homem por trás da
lente da independência
Fotos: #joaocosta
Publicado no Jornal Domingo 22/06/2025
Ao celebrarmos os 50 anos da independência de Moçambique, é imprescindível olhar para as imagens que, ao longo dessas cinco décadas, ajudaram a contar a história de um país em transformação. Poucos nomes são tão emblemáticos nesse registo visual como o de João Costa, conhecido simplesmente como ‘’Funcho’’. Sua lente não apenas capturou momentos decisivos da história moçambicana, mas também reflectiu as emoções, as lutas e as esperanças de um povo. Este é um olhar que vai além da técnica fotográfica: é um verdadeiro testemunho da alma de uma nação. Mas, afinal, quem é o homem por trás das lentes?
“Fora da fotografia e fora das lentes… é difícil responder. Sou fotógrafo, isso é certo, sou uma referência para muitos, mas sinto medo do que ainda devo fazer mais,” confessa ‘’Funcho’’, com a humildade dos grandes mestres.
Nascido em Viana do Castelo, Portugal, em 1951, Funcho chegou a Moçambique ainda bebé, com apenas seis meses de vida. O solo de Nampula, onde cresceu até os 14 anos, foi seu primeiro chão, onde pisou nos braços da mãe. Em seguida, mudou-se para então Lourenço Marques, onde começaria a moldar seu destino.
Estudante da universidade Lourenço Marques, iniciou na engenharia, mas o 25 de Abril e as mudanças do mundo o desviaram para o seu verdadeiro chamado: a fotografia.
“Minha paixão pela imagem começou com meu pai. Ele tinha uma máquina fotográfica que eu respeitava e, ainda criança, já tentava registar momentos com ela. Mas foi na universidade, trabalhando na associação académica, que comecei a levar a fotografia a sério,” lembra.
A primeira câmara profissional veio de uma surpresa do avô, que vivia no Japão. Era uma Nikon que marcaria o início de uma trajectória longa e dedicada. Funcho conta que trabalhou como fotógrafo na Faculdade de Medicina da Universidade de Lourenço Marques, produzindo imagens para pesquisas médicas e aulas, enquanto ainda era estudante.
Foi também repórter fotográfico para o jornal A Voz de Moçambique, da Associação dos Naturais, antes de seguir para o Jornal Notícias em 1974, ano em que a liberdade começava a despontar.
“Fui enviado para a Tanzânia para acompanhar a viagem do presidente Samora Machel, pouco antes da independência, em 1975. Estive presente na proclamação da independência no Estádio da Machava, capturando a alegria das pessoas naquele momento histórico,” conta Funcho.
Mas a fotografia, para ele, nunca foi só trabalho. Era paixão, era sustento, era vida. Mesmo diante da pouca valorização e dos meios escassos, quando os jornais publicavam imagens escuras, sem contraste e de baixa qualidade, ‘’Funcho’’ nunca abandonou a câmara.
“A fotografia não enriquece, mas dá vida. É o que me permitiu seguir em frente,” diz com um sorriso que carrega a marca do esforço.
No Instituto Nacional de Cinema, onde ingressou em 1977, continuou a aprimorar seu olhar, mesclando cinema e fotografia. Mas sempre fotografou, sobretudo a política e as figuras que moldaram a história moçambicana.
Fotografou Samora, Chissano, Mandela, Nyerere, Agostinho Neto, entre outros. Relembra, com poesia e realismo, as dificuldades e os desafios de ser fotógrafo em tempos de mudanças profundas: “Ser fotógrafo não era fácil. Não éramos levados a sério; éramos o segundo plano. E até hoje, essa luta continua. A mentalidade sobre a fotografia precisa mudar,” reflecte.
Ele também denuncia as restrições e o preconceito ainda presentes, quando fotografar parece algo proibido, vigiado, controlado. E denuncia a visão do fotógrafo como alguém que só busca dinheiro:
“Quando as pessoas veem a câmera, pensam logo em dinheiro. Mas é mais do que isso. É uma forma de contar histórias, de eternizar momentos,” afirma.
Funcho não hesita em lembrar o papel das imagens que capturou, não só de presidentes, mas de uma nação inteira em transformação, e conclui com um olhar firme, repleto de sensibilidade:
Ao revisitar as imagens de Funcho, percebemos que sua obra é mais do que um simples acervo fotográfico; é um arquivo vivo da memória colectiva moçambicana. Por meio de seu olhar atento e sensível, ele conseguiu eternizar a essência de um povo, suas vitórias, seus desafios e suas esperanças. Em tempos de rápidas transformações, o legado de Funcho nos lembra que a fotografia é, acima de tudo, um poderoso instrumento de preservação histórica e cultural. Ele não é apenas o homem por trás das lentes, mas um verdadeiro guardião da identidade moçambicana, alguém cuja paixão e compromisso com a imagem continuam a inspirar novas gerações.
Fotojornalista defende que a mentalidade sobre a fotografia deve mudar.























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