sábado, 2 de novembro de 2019







Poema: Carlos Pronzato
Fotos: Carlos Uqueio
Quem te dará
A terra
Se não forem
Tuas mãos?
Quem te dará
A terra
Se não forem
Teus braços?
Quem te dará
A terra
Se não fores tu
Trabalhador do campo
Que semeias
Com suor
E sangue
O silêncio
Que geme na terra
O teu canto?
Quem?
Esse pedaço
De pedra
De terra
Em breve
Será pão
Será sustento
Escultura
Da terra lapidada
A partir de uma semente.
O camponês
Como o pescador
Lança sua mão
Armada
De enxada
E chão
Recolhe
Seu sustento
Até onde o latifúndio
Impõe
Seu horizonte
De desolação
E fome

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

XENOFOBIA
Ingratidão não mata a esperança

TEXTO: BENTO VENÂNCIO
FOTOS: CARLOS UQUEIO

A xenofobia na África do Sul está a revelar cidadãos ingratos, aqueles que mordem a mão que um dia foi estendida para ajudá-los e levantá-los. Este é o sentimento que domingo encontrou no Centro de Acolhimento de Maguaza, algures em Moamba, lugar de trânsito de cidadãos moçambicanos que sentiram na pele as mazelas da onda de xenofobia que atingiu recentemente este país vizinho.
Eram cerca das vinte e duas horas quando cento e trinta e oito cidadãos, entre os quais 16 crianças, atravessaram a fronteira de Ressano Garcia e repisaram o solo pátrio.
Eles faziam-se transportar em três autocarros. Um camião trazia o pouco que escapou dos saques.
Os meios de transporte foram agenciados no quadro de um trabalho combinado do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), do Instituto Nacional para as Comunidades Moçambicanas no Exterior (INACE) e da Organização Internacional da Migração, que facilitou a evacuação daqueles que voluntariamente regressaram à origem.
Uma hora depois, cerca das vinte e três horas, davam entrada no Centro de Acolhimento de Maguaza, arredores da vila-sede do distrito da Moamba, província de Maputo, onde a noite fria ombreava com o cinzentismo de um momento de triste memória. Crianças e adultos choramingavam. Para trás chutavam a humilhação em terra alheia, onde perderam tudo, menos a esperança.
Repisavam o solo pátrio com a firmeza de quem tem a certeza de que “em nossa casa ninguém mais nos humilhará”, contudo, traziam no rosto um sorriso curto, agridoce, de quem desperta de enorme pesadelo.
Fomos batidos, humilhados, enfim, tratados como lixo, declararam algumas vítimas da xenofobia repatriadas da África do Sul, pouco depois da chegada ao centro de acolhimento.
E foram mais longe: parece que alguns cidadãos sul-africanos têm pavio curtíssimo e facilmente se esqueceram que Moçambique e outros países da região os acolheu nos tempos difíceis da segregação racial na África do Sul. Viviam, num passado recente, agrilhoados como escravos.
E sublinharam ainda: O “apartheid” definia-os como seres inferiores e catalogava-os como seres sub-humanos. Seus líderes viveram refugiados nas nossas terras, onde eram tratados de forma digna. Fizemos da luta deles uma luta também nossa. Perdemos muita coisa e até um Presidente para que eles ficassem livres. Já se esqueceram.
Descreveram a xenofobia como acto bárbaro praticado, tristemente, de irmão para irmão e levado ao extremo de matar mulheres, homens e crianças, apenas porque buscavam sustento numa terra que não é a deles.

Afiançaram que o número real de mortes está por revelar e o que está a acontecer no território sul-africano é uma verdadeira chacina aos estrangeiros, facto que deve ser levado muito a sério pelos restantes Estados africanos.

domingo apurou que parte dos repatriados regressou à terra que os viu nascer apenas com a roupa do corpo. Suas residências foram saqueadas e queimadas, sobretudo na região de Mandela, arredores de Joanesburgo.
Numa terra onde a palavra de ordem parece ser matar o estrangeiro, visto como o tal que “rouba” oportunidades de emprego, cidadãos repatriados guardam recordações amargas. As crianças ainda se agarram às mães com firmeza. Vivem com medo.

Vimos mães com duas, três crianças sob sua protecção, sem nada para oferecer, porque tudo foi roubado. Vimos pais cabisbaixos, sem chão para enterrar mágoas vividas na terra do “rand”, mágoas que marcam um presente que estremece e que condiciona o futuro dos seus.
Começaram a abandonar o Centro de Trânsito na sexta-feira, rumando às zonas de origem, designadamente Maputo, Gaza, Inhambane e Zambézia, segundo apontou Augusta Maíta, directora-geral do INGC.
Estamos satisfeitos com as condições no Centro de Trânsito. São as melhores possíveis, declarou, esclarecendo que os repatriados permaneceriam pouco tempo possível antes de rumarem para destino final, designadamente as províncias de Maputo, Gaza, Inhambane e Zambézia.
Logo após a chegada, alguns repatriados tiveram cuidados de saúde, pois, segundo Maíta, estava posicionada uma equipa médica em prontidão.
Continua...
Publicado in ''Jornal Domingo''

terça-feira, 17 de setembro de 2019

A cidade que nunca dorme…mesmo de dia!



Texto: Belmiro Adamugy
Fotos: Carlos Uqueio
                                       
Também chamada “Grande Maçã”, Nova Iorque é como uma mão de pedras rolando ladeira abaixo. Fervilha 24 horas por dia. Nunca dorme. É um enorme corpo em cujas artérias circulam diariamente milhares de pessoas - entre turistas e residentes - sem nunca perder a pose.
                                          
Vale lembrar que o Empire Building State, um dos mais antigos aranha-céus do mundo, está em Nova Iorque testemunhando as metamorfose que aquela urbe vai sofrendo. As torres gemeas, derrubadas há precisamente 18 anos, são ainda uma memória bastante presente nos nova-iorquinos… até nisso, a cidade consegue ser única.
Como qualquer cidade, Nova Iorque tem as suas peculiaridades. O olho clínico de Carlos Uqueio buscou, para além do cimento, vidro e ferro singularidades essencialmente humanas que nos fazem perceber que lá, como aqui, as pessoas são tão pessoas como os outros de outras paragens.   
                                           
Quem diz que não quer ir a Nova Iorque não imagina o potencial daquele lugar. A sua energia é contagiante, apesar de funcionar de forma “desorganizada” consegue sempre ser efeiciente e prestativa. Em Nova Iorque - parece que não - mas tudo funciona!
                                                 

 
   

                      

sábado, 3 de agosto de 2019


Culto a la zione

Água do mar não tem azar

Texto de : CAROL BANZE

Fotos de Carlos Uqueio


 



Eles estendem-se pelas areias brancas da praia. Desligam-se do concreto e estabelecem um diálogo com o invisível. O mar torna-se um verdadeiro altar, por dentro e por fora.
                    
Cor e luz (divina) resplandecem e ganham espaço em momentos de louvor feitos ao vento, numa combinação “mais que perfeita”. Um movimento invariável e combinado de pernas “desarruma” o soalho alvo gratuitamente oferecido pela natureza. São os crentes da igreja zione, que giram, giram, fortificando o compromisso com o omnisciente, omnipotente e omnipresente, um exercício feito geralmente sob orientação de pastores.
                  
Hilário Zanga é um destes homens, que se apresenta equipado de bengala e batina de cor branca presa por um xifungo (corda) de confecção ímpar que lhe circulava a cintura franzina. Ele monitorava as manifestações de “Helena”, uma mulher “possuída”, que fora parar ao terreiro por culpa das forças do além.                                                               
Movimentada à semelhança de um xindire (pião), entrou para a roda da investigação profunda, que terminaria minutos após se detectar “um espírito”, que se apresentou aos olhos da reportagem do domingo como um velho e bom “guerrilheiro”.
                         
A verdade é que, naquele instante, “Helena” havia perdido partes de si, da sua consciência: batia desesperadamente no peito; marchava, ajoelhava, gritava, lacrimejava. Emitia uma voz marcadamente masculina, que lhe subia laringe acima, contrariando toda a sua natureza feminina.
                          
Esta cena ocorreu numa manhã recentemente passada de Inverno, num dia marcado propositadamente “para detectar e tirar demónios”, revelou o pastor Hilário ao domingo.
Era uma missão e tanto, que desafiava a brisa frígida trazida pelos movimentos do mar largo, que, de segundo a segundo, vomitava a escuma que aparentemente o afligia.
                     
O que se dizia é que havia que “libertar” “Helena”,Rosa”, “Simião” e outros tantos, uma acção feita aos rodopios de esbugalhar as pupilas de qualquer um.
                       
E as ondas da praia simplesmente conspiravam a favor. Na realidade, tudo o que se queria era, precisamente, aquele ar (des) concertante das águas salgadas, que induzia a uma sensação arrepiante porém motivadora, em que se cria que do sal sairia a cura, pois esta substância “afugenta o mal; torna a vida mais saborosa, afinal, até a comida sem sal não tem gosto nenhum, não é verdade?”, observou Celeste Chilavule, membro da igreja zione, sediada na autarquia de Boane, província de Maputo.
                     
E a luta continuou sob o olhar atento dos leigos e adeptos. Corpos de humanos imergiam e emergiam de segundo a segundo. Vibravam, vociferavam, babavam. “Hiyêêêê...”, lá se manifestavam sob olhares atentos dos diferentes grupos, que, paralelamente, juntavam as mãos em plenas e profundas orações, com o intuito de “agradar os espíritos que ‘vivem’ dentro do mar. São eles que atraem estas pessoas para aqui, para poderem se manifestar. Os espíritos gostam de água, por isso, todos nós devíamos mergulhar no mar, para nos purificarmos e revitalizarmos”, argumentou o pastor Bila, participante ao culto. 
                  




                                UMA COR
                            UMA FUNÇÃO

                                             
A vida religiosa na congregação zione é, no mínimo, cheia de mistérios. Na bagagem do “bom pastor”, para além do xifungo e da batina “não faltam a vela, os óleos que dão sorte no trabalho e no amor. Alguns fazem os homens torcerem o pescoço ao avistarem o sexo oposto na via pública (ou vice-versa). São vários artigos, cada um com a respectiva função”, citou Zanga.
Falando especialmente da vestimenta de variadas cores, explicou que levam consigo uma elevada carga simbólica.  
                   
De acordo com aquele pastor, o verde traz paz e harmonia, à semelhança do branco. Mas a cor branca, ao mesmo tempo, ajuda na comunicação e cria harmonia na relação com os defuntos: “eles passam a mostrar em sonhos os males que circundam os seus familiares”, argumentou. Já o amarelo – continuou – serve para chamar e/ou evocar os bons ares; para proporcionar a graça na vida do indivíduo. Em posição de ataque está o vermelho “usado para combater os maus espíritos”. Numa posição contrária, usam a cor castanha para premiar a vida do homem, “dando-lhe bênçãos”, avançou.
                  
O trabalho complexo e curioso arrasta homens e mulheres aos magotes, e “é sustentado pela simbologia da água encontrada na bíblia, ou seja, no facto de que Jesus Cristo foi purificado com recurso à água, através do baptismo. Por isso, costuma-se dizer que a água do mar não tem azar”, argumentou José Sequeira, crente da igreja zione.
Facto interessante é que esta actividade já mereceu, inclusive, estudos científicos.
Consta em algumas linhas dessas pesquisas (vide Victor AGADJANIAN, Lusotopie 1999) que a origem do nome das igrejas ziones (Zionist) provém da cidade de Zion City, Illinois, Estados Unidos da América, onde a Christian Apostolic Catholic Church, a Igreja que deu o início a este ramo do pentecostalismo, foi fundada por J. Dowie em 1896.
                 
As primeiras igrejas zionistas na África Austral surgiram na África do Sul sob a influência norte-americana no início deste século. A sua penetração em Moçambique começou no período colonial e continuou a crescer depois da proclamação da independência de Moçambique, em 1975.
É estruturada em torno da figura carismática do pastor (mufundisi) que frequentemente, sobretudo em casos de igrejas pequenas, é também o profeta (muprofeta), que possui o dom de invocar o Espírito Santo para efectuar a cura.
Entretanto, outro facto a salientar é que participam em sessões ziones membros permanentes, que frequentam tanto as sessões de oração como as de tratamento. Mas também os que buscam a cura e portanto frequentam sobretudo as sessões de tratamento (masiku ya kupfuna). No segundo caso, nem sempre a participação significa uma conversão definitiva.

sábado, 25 de maio de 2019



                                           África

                                   


Texto: Pretlerio Matsinhe
Fotos: Carlos Uqueio



Perdeste a tua essência quando permitiste que descortinassem o véu da tua inocência. Foste pisoteada, lavrada, pilhada, humilhada, ferida até nas tuas entranhas e viste os teus pequenos seres que brotavam na pureza a sangrarem mundo afora.



A penúria da humanidade nunca te mereceu, mas te esforçaste para acolher a todos com as suas impurezas. Tu és forte, doce e leve. Por isso perdoaste as angústias que a ganância e a intolerância te causaram. Hoje te alegras ao amanhecer e veres o sol a brilhar, ao acordares ao som dos passarinhos e estás a trilhar novos caminhos, construindo a tua história.

És África da alegria, do sorriso fácil, hospedeira...mãe porque do teu ventre nasceram os filhos que pincelam o mundo.  Levanta-te, África, continua a sonhar, a caminhar, a bailar o Tufo, o Mapiko ao som da Timbila, dos tambores que rufam ao anoitecer. 

Leva a tua voz para o mundo, espalhe a humanidade, combate as tuas doenças, luta contra o capitalismo que devasta as tuas bênçãos divinas, que destrói o verde de esperança e  deixa-te ensanguentada de desgosto. Limpa as lágrimas e sorri, tu és o mundo, África. 





segunda-feira, 13 de maio de 2019


Mãos que “tecem” a terra











Texto: Belmiro Adamugy
Fotos: Carlos Uqueio


A velha sabedoria africana ensina que as nossas mãos são as que melhor secam as nossas lágrimas. Vale o mesmo para tudo o resto. Se tomarmos nós mesmos as iniciativas a probabilidade de êxito é maior.
                  Olhe-se atentamente para as mãos que manuseiam o amendoim. Tirado da terra fecunda, as vagens contêm a “fruta” que é um legume bastante apreciado.
                                                 
 Torrado, cozido, pilado, o amendoim entra-nos casa adentro e assenhora-se dos nossos sentidos. Vê-lo prontinho disfarça a canseira que é o processo de preparação. Só mesmo mãos treinadas pela experiência para nos propiciar o deleite de degustá-lo.
                                                
Carlos Uqueio, foto-jornalista de olhar arguto, captou com leveza esse tear que é a vida a partir das mãos que tecem a terra para dela brotar o alimento para a alma. Atente-se nos detalhes. Nos calos que o tempo plantou nas mãos que, gretadas e às vezes maltratadas, são capazes de perceber a beleza e o encanto de uma planta que esconde na terra o segredo dos deuses. Há uma vitalidade perceptível não apenas pela persistência mas também pela capacidade de começar de novo a cada novo ciclo da natureza.