Um “demónio” chamado: AVIATOR
Por: Carlos Uqueio
Numa era em que tudo cabe na palma da mão, da amizade à fé, do trabalho ao prazer, o vício também encontrou abrigo ali. O jogo de azar, que antes exigia portas pesadas de casinos e noites escondidas entre copos e fumaça de charrutos, agora se apresenta polido, colorido e sedutor nos nossos próprios telefones. E entre esses jogos, há um nome que tem feito estragos profundos em silêncio: Aviator.
Pode parecer apenas mais um aplicativo. Um avião que sobe e, quanto mais sobe, mais dinheiro promete ao apostador. A ilusão é simples: se clicar para "sacar" antes que ele caia, o jogador lucra. Mas se errar o tempo, perde tudo. Um jogo de reflexo, dirão alguns. Um passatempo. Mas quem já caiu nessa pista sabe que o Aviator não é jogo, é vício travestido de distração, um plano bem desenhado para aprisionar.
Conheci essa tragédia de perto. Um amigo meu, empreendedor humilde, montou um pequeno bar na zona. Contratou uma funcionária que parecia promissora. Para proteger o lucro diário, colocou um cofre e confiou a ela a tarefa de guardar o dinheiro ao fim de cada dia. Com boa-fé, atendeu ao pedido da empregada: que não aparecesse com frequência, pois ela queria lhe “surpreender” com altos lucros. O patrão acreditou. O tempo passou. E então, um dia, ele decidiu visitar o bar.
A cena que encontrou parecia saída de um filme de horror: prateleiras vazias, geleiras sem bebidas, o cofre arrombado, e a única coisa cheia era a vergonha no rosto da colaboradora. Ela, aos prantos, confessou:
“Boss, me perdoa... usei o dinheiro do bar para jogar Aviator. Fiquei viciada, achei que ia ganhar tudo de volta, mas, perdi.”
O prejuízo era maior do que o esperado. Todo o lucro acumulado tinha desaparecido. Não havia mais capital para repor o stock, pagar os fornecedores, cobrir as dívidas e reerguer a estrutura. Em poucas semanas, o negócio que levou anos para ser erguido teve de fechar as portas. O bar faliu. Literalmente. E não por falta de clientes ou má gestão, mas por causa de um jogo que, sorrateiramente, consumiu tudo.
Essa não é uma história rara. É uma epidemia digital silenciosa. O Aviator e seus semelhantes exploram o desejo humano pelo ganho fácil, pela sorte, pela superação das dificuldades financeiras num piscar de olhos. Mas não passam de armadilhas. Jogar parece simples. Começa com 100 meticais, depois 500, depois 1.000. E quando se dá por conta, não foi só o dinheiro que se perdeu: foi a paz, a sanidade, a confiança de alguém, o emprego, a dignidade e, como neste caso, o negócio inteiro.
Não se trata apenas de condenar o jogo. Trata-se de entender o mecanismo perverso por trás dele. O Aviator não premia estratégia. Ele manipula emoções. Alimenta a esperança e o desespero num mesmo clique. Cada rodada perdida carrega a promessa de que a próxima será a da sorte. É um ciclo vicioso, e como todo vício, ele começa pequeno, sedutor, e termina grande, devastador.
O problema, porém, não é só individual. É colectivo. Falta educação financeira nas escolas. Falta diálogo nas famílias sobre o perigo do lucro fácil. E sobra silêncio. O silêncio da vergonha de quem perdeu tudo, o silêncio de quem tem medo de admitir que está preso, o silêncio de uma sociedade que normaliza o vício.
É urgente educar. Precisamos ensinar aos jovens e também aos adultos que não existe riqueza sem trabalho. Que o dinheiro fácil, muitas vezes, cobra caro. Que toda aposta tem dois lados, e quase sempre quem ganha é a plataforma, não o jogador. Precisamos falar sobre controle o emocional, autocontrole, sobre a importância de pedir ajuda antes que seja tarde.
E, acima de tudo, precisamos resgatar a confiança nas formas honestas de crescimento. Trabalhar, poupar, investir com sabedoria, aprender a empreender. O jogo pode parecer uma solução rápida, mas é uma armadilha lenta. E o Aviator não leva ninguém para o céu, ele só ensina a cair, e cada queda é mais dolorosa que a anterior.
Se você está lendo este texto e conhece alguém que está a jogar demais, não o julgue. Converse. Oriente. Mostre que o buraco é real, mas que também é possível sair dele. Se você mesmo está preso nesse ciclo, entenda: pedir ajuda não é fraqueza, é o primeiro acto de liberdade.
O Aviator pode até decolar rápido, mas o pouso, quase sempre, é em ruínas. E nenhum sonho merece ser trocado por uma ilusão que termina em falência.
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