MAGOANINE “A”
Onde a esperança caminha descalça
AS inundações que assolaram Maputo nos últimos anos deixaram marcas profundas no Bairro Magoanine “A”. Famílias foram desalojadas e muitas casas permanecem vazias, com portas quebradas e janelas abertas, feridas silenciosas de um passado que já não existe. A igreja, antes ponto de encontro e refúgio e de busca de esperança, ergue-se sozinha, cercada por ruas alagadas e esquecidas. É uma testemunha muda do abandono.
Mas é nas crianças que a dureza da realidade se revela de forma mais cruel. Todos os dias, de segunda a sexta-feira, elas enfrentam um percurso perigoso e exaustivo até à escola. Escalam muros de quintais abandonados, afundam os pés na lama, que insiste em invadir as ruas, e carregam mochilas molhadas, cadernos sujos e livros manchados pela lama. Cada passo é uma batalha silenciosa; cada lágrima derramada é um grito pela dignidade e atenção.
“Ontem, caí na água e molhei todos os meus cadernos. Hoje, chorei porque não queria passar por aqui, mas não tenho outro caminho”, conta Inês, de oito anos, segurando a pasta ainda manchada de lama.
“Todos os dias galgo muros com medo de cair ou me machucar-me. Há dias que quero simplesmente ficar em casa, sem enfrentar lama e o frio da manhã. Mas sei que preciso de ir à escola; a minha mãe diz os meus sonhos não podem esperar, mesmo que o caminho pareça impossível”, descreve Joaquim, 11 anos, resumindo o percurso diário como uma verdadeira batalha.
O medo de cair, de se machucar e de perder um dia de escola torna-se parte da rotina dessas crianças. E, mesmo assim, elas insistem. Cada passo na lama é uma prova de coragem; cada esforço, uma declaração de que o conhecimento vale o risco.
Estas imagens não mostram apenas ruas inundadas ou casas abandonadas. Revelam abandono humano e social, negligência urbana e o impacto devastador das enchentes. Mas, acima de tudo, reflectem coragem, resistência e resiliência. Crianças que, mesmo diante de muros, lama e desespero, continuam a caminhar, aprender e sonhar.
Texto e fotos: Carlos Uqueio
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