Deuses do Lucro
Por: Carlos Uqueio
O Mercado Grossista do Zimpeto é muito mais do que um lugar onde se vai comprar cebola, batata ou tomate. É um mundo dentro de outro mundo. Um corpo vivo que respira ao som dos passos apressados, dos gritos dos vendedores e do cheiro da fruta madura. Mas, nesse ambiente intenso e cheio de vida, há também deuses invisíveis. Não são de madeira nem de pedra. São pequenos, silenciosos, mas poderosos: os deuses do lucro.
Fui vítima de um deles numa manhã aparentemente comum. Andava entre as bancas à procura da batata, tentando fugir da multidão que se apertava entre sacos e carrinhos de mão. Finalmente escolhi uma banca. O vendedor, com aquele sorriso maroto e voz experiente, disse: “Dê-me 40, 30, 20 meticais para facilitar o troco”. Soou prático. Entreguei o valor exacto. Confiei na pressa. Caminhei mais alguns metros e fui verificar. O troco estava incompleto. Fui enganado. Perdi. E fiquei com aquela sensação amarga de ter alimentado, mais uma vez, os tais deuses que só sabem tirar e nunca dar.
A prática é comum. Tornou-se quase rotina. Quem circula por ali frequentemente já aprendeu a desconfiar, a contar o troco na hora, a fazer cálculos duas ou três vezes.
Durante uma das limpezas organizadas pelo Conselho Municipal de Maputo, o que veio à tona não foram apenas os restos dos produtos apodrecidos ou os sacos plásticos espalhados no chão. Apareceram também objectos de rituais, garrafas enterradas, “swifungos” esquecidos, materiais místicos usados, dizem alguns que são usados para atrair clientes, garantir vendas e proteger o negócio.
Essa mistura mostra que muitos comerciantes já não confiam apenas na qualidade dos seus produtos ou no seu esforço diário. Passaram a depender da força invisível de amuletos e promessas espirituais. Mas há uma linha muito fina entre a fé e o engano. Quando a fé é usada como escudo para justificar atitudes desonestas, ela perde seu brilho. A espiritualidade, que deveria iluminar, começa a obscurecer.
E o problema não está só nos objectos enterrados ou nas moedas escondidas. Está no pequeno gesto de negar o troco certo, de inventar que “não tenho moedas” quando, na verdade, o objectivo é ficar com a diferença. É no abuso do costume de arredondar os preços sempre a favor do vendedor. E essa prática, repetida todos os dias, por centenas de comerciantes, corrói a confiança entre quem compra e quem vende. Cria um fosso invisível, mas profundo.
Zimpeto não é apenas um mercado. É um termómetro da nossa sociedade. Ali se reflectem as virtudes e os vícios da nossa convivência urbana. Muitos ali trabalham honestamente, lutam de sol a sol, acordam de madrugada, enfrentam poeira e chuva para garantir o pão dos filhos. Mas esses são ofuscados pelos que se tornaram servos dos tais deuses do lucro, aqueles que fazem da esperteza um estilo de vida, que medem sucesso pela quantidade de trocos que ficaram por devolver.
A limpeza do espaço físico foi um bom começo. Mas ainda falta limpar o espaço moral. É preciso varrer a ganância disfarçada de astúcia, expulsar os truques que se tornaram norma, e abrir espaço para uma nova ética comercial, onde vender bem também signifique respeitar o outro.
O lucro verdadeiro, esse que vale e permanece, não é aquele que se faz enganando, mas sim o que se constrói com integridade. Porque um cliente que confia volta. E volta com mais alguém. Um cliente que se sente enganado, nunca mais regressa e leva consigo a má fama.
Talvez seja hora de enterrarmos, de vez, esses deuses do lucro. Não com rituais ou campanhas simbólicas, mas com acções concretas: formação em ética comercial, fiscalização justa e contínua, campanhas de sensibilização nos mercados, e acima de tudo, um compromisso pessoal com a honestidade.