quarta-feira, 31 de março de 2021

                                           Sobreviver a partir do lixo




 

Texto de : Hercília Marrengule

Fotos de Carlos Uqueio

 

 

O relógio apontava para o meio-dia. A temperatura rondava os 38 graus centígrados e ali estavam elas vestidas com roupas cuja espessura desafiava as condições climáticas: calças, camisolas, gorros, lenços à cabeça e outros cobrindo a boca e o nariz.

O objectivo é evitar ao máximo inalar a fumaça causada pela decomposição do lixo. O cheiro forte não mais incomoda a quem está preocupado em phandar, termo usado no local para se referir ao trabalho.

O perigo é eminente. O entra e sai de camiões abarrotados de lixo, desperta os olhares sempre atentos dos catadores que ao indício de abrandamento da marcha, partem em busca da maior quantidade  de resíduos  aproveitáveis.

As condições insalubres não impedem a presença de mulheres de todas as faixas etárias que na luta pela sobrevivência ignoram todos os riscos.

Elas são mães, esposas, avós e donas de casa. E é no emaranhado do maior aterro sanitário do país que diariamente enfrentam o perigo que este local oferece.

Buscam sustento para os seus.  

Afinal, na corrida para garantir o alimento de cada dia, vários são os relatos de gente que morre atropelada, soterrada pelo lixo e que até desenvolve doenças graves.

No mês dedicado à mulher, domingo foi àquele lugar e conta a história destas magníficas guerreiras.

 

 


 

Não saio da lixeira sem conseguir

o suficiente comprar comida

-Glória Conjo, 53 anos de idade

 

Glória Conjo, 53 anos, conhece muito bem as dificuldades vividas por quem depende do lixo. Vem de Chibuto, província de Gaza.

A falta de emprego levou-a a recorrer à colecta de plástico, latas e outros utensílios para sobreviver. O trabalho é pesado.

Conjo diz à nossa reportagem que sai de casa às quatro horas da manhã e não tem hora para voltar, porque, enquanto não consegue uma quantidade razoável do plástico , que é vendido a 10 meticais o quilo, não retorna à casa.

"Apesar de ter que obedecer os turnos dentro da lixeira eu não saio sem conseguir o suficiente para que meus filhos tenham o que comer. Para ter pelo menos dez quilos por dia não é tarefa fácil", conta.

Viúva há 22 anos, diz que o marido morreu sem construir e com o pouco que consegue ergueu sua casa .

Mãe de 6 filhos, se orgulha por ter dado o seu máximo para que todos  frequentassem a escola. Aliás, lamenta que o esforço que está a fazer não seja reconhecido por alguns dos seus filhos que já abandonaram a escola.

"Tudo o que faço é por eles, relata com tristeza no rosto.  

O dia de trabalho de Glória Conjo não termina na lixeira, seguindo-se as lides domésticas.

Sonha com o dia que não vai precisar mais depender do lixo para sobreviver .

"Sou mãe e pai para os meus filhos. Apesar de alguns já saberem se virar, espero que algum dia possam me ajudar, mas não me vejo sentada em casa sem fazer nada. O trabalho me dignifica", remata.

 

 

 



Vi meu amigo a morrer quando buscava resíduos

-Artelinda Chuane, 44 anos de idade

 

Com apenas 16 anos, Artelinda Chuane, hoje com 44 anos de idade, precisou arranjar formas de ajudar a sua mãe no sustento da família. Foi na Lixeira de Hulene onde encontrou a oportunidade para, de forma honesta, ganhar o seu pão.

Encontrámo-la a embalar o plástico coletado para a venda. Há quatro anos foi abandonada pelo  pai dos filhos, com quem  dividia as despesas, tendo que se desdobrar para suprir a ausência.

Conta ao domingo que diariamente consegue até 400 Meticais e, apesar de ser pouco, com o valor consegue sustentar seus seis filhos.

Relata que além do perigo de apanhar doenças, o risco de ser empurrado pelas máquinas assombra a mente dos catadores. Recorda o dia em que saiu para mais uma jornada e viu seu amigo e companheiro de trabalho morrer atropelado por um camião.

"Sempre que  o camião chega corremos para phandar (trabalhar). Meu amigo subiu na traseira do veículo e escorregou no meio do lixo. O motorista, que não se apercebeu do ocorrido, passou por cima do jovem que morreu no local", relembra.

A memória deste fatídico dia nunca lhe abandonou, mas porque a vida segue, ela continua e se vangloria pelo facto de graças ao lixo ter um tecto para descansar.

O maior medo que enfrenta é que o local seja fechado e a mulher que nunca fez outro tipo de trabalho perca a sua fonte de rendimento.

"Se eu tiver que ficar em casa por falta de trabalho o que farei com os meus filhos? É pouco o que ganho ,  mas com o lixo eu consegui fazer uma casa de dois quartos e sala. Não é suficiente mas temos um tecto ", avalia.

 





 

Somos confundidas com mendigos

- Anástácia Dimande, 48 anos de idade

 

Quem também vive da colecta de resíduos na Lixeira de Hulene é Anastácia Dimande, de 48 anos de idade. Mãe de cinco filhos,  é casada e trabalha na lixeira há dez anos.

Conta que vezes sem conta é confundida com uma mendiga devido à forma como se apresenta.

Garante, no entanto, que se não fosse assim "a carne ia sofrer mais". "Aqui estamos muito expostos, já me cortei várias vezes nas mãos e nos pés por falta de um equipamento adequado", explica. 

Mulher determinada , diz que não se importa com a chacota. O que não admite é acordar, sentar e esperar que o marido lhe dê tudo.

"Não posso acordar, sentar a espera que meu marido trabalhe sozinho e assuma todas as despesas. A vida é dura, temos de ajudar. A mulher pode e deve trabalhar tanto quanto o homem", sublinha.

Colecta plástico e garrafas e lamenta que os compradores, na maioria das vezes chineses, paguem pouco pelo produto, o que na sua óptica é desvalorização de um trabalho feito com muito sacrifício.

Contudo, diz que com 500 Meticais, média que consegue diariamente do seu trabalho, adquiriu um terreno na Manhiça, província de Maputo, e luta para junto do seu marido (que vive de biscates) conseguir construir a tão sonhada casa própria.

A mulher , que já foi empregada doméstica, diz que gostaria de sair da lixeira para abraçar outro negócio como a venda de produtos de primeira necessidade porque a vida no lixo não é fácil.

"As pessoas apanham doenças e em pouco tempo morrem, sem contar os atropelamentos, acidentes com objectos cortantes. Não temos luvas, em fim o risco está em toda a parte", detalha. 

 

 

Estamos  a morrer aos poucos

-Lilita Chavango, 42 anos de idade

 

É com o que consegue através do lixo que Lilita Chavango, de 42 anos, garante o sustento da sua família e paga a renda de casa.

Solteira e mãe de sete filhos, foi abandonada, 19 anos já se passaram,  pelo parceiro. Na altura, quando se viu com dois filhos para criar, começou a trabalhar na Lixeira de Hulene.

Há dez anos adquiriu seu terreno , mas nunca conseguiu iniciar com as obras porque o pouco que ganha é destinado a suprir as necessidades dos filhos e para renda da casa.

No entanto, se orgulha pelo facto de a família ter sempre o que comer. 

"O trabalho não é fácil, o que conseguimos é pouco, há casos de senhoras que trabalham aqui, mas tem ajuda dos parceiros. Eu sou mãe, pai e até avo. Pago renda de casa e posso garantir que nunca dormimos de barriga vazia".

Por conhecer as dificuldades da vida na lixeira diz que apesar de os filhos sempre mostrarem disponibilidade para ajudá-la, aconselha-os a se focarem nos estudos.

"Os filhos tem a tendência de seguir os passos dos pais, mas não é isso que eu quero para eles. Aqui se morre. Eles devem seguir outros caminhos", frisa. 

Apesar de reconhecer que precisa de descanso, Chavango não tem horário de trabalho. "Já tive que pernoitar para conseguir mais material de modo a pagar renda , porque o dono do imóvel não queria saber se o dia não foi produtivo".

Para os trabalhos domésticos sempre conta com ajuda dos filhos que entendem que , por estar durante o dia sujeita a todo o tipo de temperaturas, precisa descansar.

Mesmo assim,  ressalva : "estamos a morrer aos poucos".








sábado, 31 de outubro de 2020

                                                                  MÉDICOS TRADICIONAIS

A formação de um médico tradicional dura 3/4 anos



Nossa missão é fazer o bem

No sub-mundo dos curandeiros, domingo busca respostas para muitas perguntas...

 

Texto de Pretlerio Matsinhe

Fotos de Carlos Uqueio

 

Um percurso cheio de mistérios e percalços. Ser médico tradicional é, em algum momento, sinónimo de sacrifícios, cuja explicação ultrapassa a dimensão terrena. Relatos de indivíduos que passaram pela formação até atingir o título de médico tradicional são impressionantes e intrigantes.

Ana Rita Martins, de 47 anos de idade, garante que “já fiz três pastores desmaiarem”, ao tentarem se esquivar da sua “missão”.

Entretanto, conta que a sua vida sempre foi marcada de mistérios e pouca sorte: ainda jovem, perdeu o primeiro namorado porque não conseguia engravidar. Tudo por “culpa dos espíritos”. Acrescenta que fez diversos tratamentos hospitalares e tradicionais, mas nenhum deu certo. Agastada e deprimida atravessou a fronteira rumo à ex-Suazilândia, onde conheceu outro homem com quem, mais uma vez, não chegou a lado nenhum.

No país vizinho, as doenças não a deixavam em paz. Com efeito, buscou soluções até em igrejas, mas a verdade é que os seus espíritos fizeram desmaiar três pastores que achavam que conseguiriam tirá-la da medicina tradicional. Ou seja, perderam os sentidos ao tentar fazer a imposição das suas mãos para fazer orações.

O primeiro a perder sentidos já lhe havia aconselhado a regressar a Moçambique, mas “não acatei o conselho”. Permaneceu na Suazilândia até encontrar outro pastor, o segundo, que lhe foi categórico: “não ficarás no lar. Tens uma missão a cumprir!”

Mas Ana Rita conta que detestava curandeiros. Vê-los vestidos daquelas capulanas temáticas e descalços deixava-a repugnada.

Mas não houve outra escolha, o seu caminho, conforme afirma, era o mesmo de tantos outros que cursaram a medicina tradicional e hoje exerçam-na alguns contra todas as expectativas.

 

DESCER DO SALTO

Ana Martins


Ao regressar à terra natal, Ana Martins relata que fez mais uma vítima na tentativa de se desviar dos batuques, das capulanass, búzios, amuletos, entre outros artefactos. Mais um pastor desmaiou ao tentar fazer uma oração. Tudo ocorreu na cidade de Maputo, numa altura em que padecia de um problema de saúde: a hemorragia tomava conta dela. A verdade é que, “eu não queria descer do salto, deixar a vida que tinha para me dedicar a esta profissão”.

Mas a entrevistada acredita que foi  “ira dos espíritos” que a fez perder três filhos, sofrer de problemas de visão, de tal modo que, hoje, mal pode ver televisão, mexer o celular ou mesmo voltar à escola, conforme narra.

E como chegou à formação? De maneira curiosa e intrigante: quando saiu de casa para comprar peixe em Marracuene. A verdade é que foi parar ao distrito de Bilene, província de Gaza. “Os espíritos levaram-me até à casa da minha instrutora, e a minha vida mudou”. Na verdade, mudou para melhor, pois, após cumprir o chamamento,  hoje, é mãe de três filhos e entende que não se foge do destino. Através de Mahlala Ghodwene e Malhaceia, seus espíritos, trabalha “em prol do bem de todos”, garante.

 

                                                                                 Missão difícil

 



Ao que tudo indica, fugir da missão de ser médico tradicional é simplesmente uma perda de tempo. É que, conforme se conta, “as forças ocultas, quando enfurecidas, são capazes de destruir até toda a família como mecanismo de direccionar o seu escolhido”, dizem Julieta Chaúque e Cecília Nhaca, outras entrevistadas do domingo.


Cecília Nhaca


Mas cumprir a formação é missão difícil. A título de exemplo, “entrar em transe é doloroso”, diz Cecília Nhaca, uma anciã, que teve 12 filhos.  Nascida em 1938, conta que recusou o seu dom e, por tal, enfrentou muitos problemas de saúde. O pior aconteceu em 1983, estava grávida e não conseguia fazer necessidades maiores. Quando deu à luz, a criança sofreu do mesmo problema.

Facto impressionante é que, após o parto, entrou em estado de transe na presença dos médicos, daí que considera que não há outra saída para quem tem espíritos, que não seja se submeter à formação. Seja como for, deixa claro que “o estado de transe é doloroso e os espíritos são maus, fazem-nos parecer anormais no seio da sociedade”, revela a mulher dirigida pelo espírito chamado Malhavatane.

 

TRÊS ANOS SEM

VER A FAMÍLIA



 

Por seu turno, Julieta Chaúque narra que, durante a formação, passou três a quatro anos em casa do mestre (chamado  “Bhava”, portanto, pai), numa espécie de internato, sem visitar a família. Conta que, durante os 36 meses, é proibido manter relações sexuais, pois se acredita que o acto pode retrair os espíritos e dificultar a formação, para além de atrair azar na vida do formando.

Julieta Chaúque revela, entretanto, que algumas vezes a instruenda dorme sem jantar, mesmo que a sua família tenha entregue mantimentos ao “Bhava”. E mais: é obrigatório acordar às duas horas da madrugada para colocar alguns ensinamentos em prática, e, às quatro horas, ir à machamba, em alguns casos. Ora, é um processo cumprido debaixo do sol ou da chuva; descalços correndo riscos de contrair infecções.

Julieta Chaúque


E domingo ficou a saber que, para além de nacionais, os mestres recebem também pessoas da África do Sul e Suazilândia, à busca de formação, que custa 2500 Meticais. Ao fim do período de instrução, é realizada uma cerimónia tradicional denominada “lobolo”, em que a família do graduado paga um valor monetário e outros bens ao formador, para conferir legitimidade ao seu instruendo. Depois deste processo, a pessoa pode até casar e frequentar uma igreja.

 

Não curamos SIDA

Médicos tradicionais dizem que conhecem todos os seus medicamentos


 

Curandeiros dizem que são capazes de curar muitas doenças. Várias vezes recebem pessoas nos seus “ndombas” (local de consulta), com doenças como dores de estômago, inchaço dos pés, dores no peito, problemas de vista e hemorragia.

Mas, também, há relatos de pessoas que buscam soluções para outro tipo de problemas, como é o caso de mulheres que não conseguem ter filhos e que já passaram de vários hospitais à procura de soluções. Narram também que alguns homens procuram os seus serviços para que lhe dê sorte no emprego, para além de indivíduos que procuram o curandeiro quando a criança recém-nascida não pára de chorar, após a atribuição do nome.

Maria Samuel Muianga

Mas a Maria Samuel Muianga não quer que haja dúvidas: somos capazes de curar muitas doenças, menos SIDA. Conseguimos ver que a pessoa está infectada pelo vírus, mas se um disser que pode curar, duvide dele”, posiciona-se.

 

Os espíritos gostam

de andar bem vestidos




 

Os espíritos são exigentes e querem estar bem vestidos, revela Maria Muianga. “Nas suas mãos, quando tomam o corpo do ser humano, querem ter ‘tchowa’, normalmente cauda de hiena. A este junta-se ‘N’dhuku’ (cajado), usado para bater nas coisas malignas”, lista.

Entretanto, o corpo de um curandeiro, antes de entrar em transe, é coberto ainda de uma série de medicamentos e raízes, amarrados à volta da cintura e do abdómen que servem para fortificar o espírito, explica.

Entretanto, adicionam-se muitas capulanas, na sua maioria com funções específicas à escolha do espírito. Nunca deve faltar “gona” (óleo), que “é o centro do poder do curandeiro, que comanda todas as actividades”, afirma. Este medicamento fica num frasco médio e, conforme aclara, o curandeiro usa para invocar o bem (ou o mal) em nome do enfermo. É importante frisar que o curandeiro nunca viaja sem a sua pasta de “tinhlolo”, usada para fazer o diagnóstico.

“KUFEMBA”



Após o diagnóstico, o curandeiro realiza o “kufemba” (investigação), quando os espíritos tomam o corpo do curandeiro, estando este em estado de transe. É neste período que chega mesmo a conseguir falar muitas línguas.

Entretanto, os médicos tradicionais ouvidos pelo domingo relatam casos de discriminação por causa da profissão que exercem. Dizem que quando vão à rua enfrentam o olho torto da sociedade, como fomentadores da discórdia entre as famílias.

Contam que, igualmente, são mal vistos por causa das vestimentas que ostentam, “sobretudo quando se trata de um homem com espíritos femininos, que o levam a gostar de se vestir de capulanas”.

 


Nosso papel

é evitar o mal



Fernando Mathe, presidente da AMETRAMO - Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique -  reafirma que o papel dos curandeiros é fazer o bem e evitar meter-se em situações que podem fazer mal a outrem.

Fernando Mathe


Mathe fez saber que, devido à existência de várias ramificações do curandeirismo, é natural que apareçam indivíduos que prometem e fazem coisas ligadas à magia, actos que causam danos a terceiros. Aliás, fez questão de lembrar que a AMETRAMO tem recebido queixas de pessoas que foram ludibriadas por supostos curandeiros com certo tipo de tratamento e que não tenha surtido o efeito desejado.

“O curandeirismo é vasto, o que podemos destacar é que as pessoas que fazem magia, que prometem assegurar empregos ou certos cargos de chefia ou riquezas, usam forças obscuras que não são típicas do curandeirismo natural e original. São pessoas que dominam certos espíritos que lhes aumentam o poder. Nós repudiamos e temos queimado todo o material dessas pessoas quando provamos que usam magia”.

Relativamente ao sofrimento durante a formação, Mathe diz que tudo o que se faz tem a ver com a tradição e não pode ser modernizado. Contudo, reconhece que vezes há em que os mestres se aproveitam da situação para cometer actos ilegais. O presidente da AMETRAMO diz, portanto, que os excessos são condenáveis.

Acrescenta, entretanto, que são proibidas as batucadas depois das 21.00 horas. “Os estatutos indicam que devemos começar a tocar às 5.00 horas e terminar às 21.00 horas. Fora desse horário, a pessoa estará a violar a norma. Mas muitas vezes há transgressões por falta de conhecimento”.  

sábado, 25 de julho de 2020

A magia das mãos

Texto: Belmiro Adamugy
Fotos: Carlos Uqueio
Há qualquer coisa que nos fascina quando olhamos para as mãos de
alguém… é como se rivalizassem com os olhos pelo estatuto de espelho da
alma; afinal, tanto as mãos, quanto os olhos, falam, revelam o que vai na
alma do Homem.
Olhando para as fotos - captadas pelo foto-jornalista Carlos Uqueio - não
deixam de chamar a atenção dos nossos olhos as mãos que manuseiam a
castanha de caju. São mãos delicadamente femininas que transformam
aquela casca escura e oleosa numa inocente e cândida castanha.
O trabalho greta as mãos. Escava a alma. A habilidade, fruto de muitas horas
a descascar, seleccionar e embalar a castanha, não disfarça o sofrimento
porque passam aquelas trabalhadoras que de sol a sol buscam ali o sustento
dos seus.
Ademais, como diz o escritor, o mundo está nas mãos daqueles que têm a
coragem de sonhar e correr o risco de viver seus sonhos. E há sonhos que
“custam maningue”… custam as mãos de quem sonha e almeja o pão do dia-
a-dia.






segunda-feira, 4 de maio de 2020


PRAIA DA COSTA DO SOL
                
Como que por magia...

Texto: André Matola
Fotos: Carlos Uqueio

Num abrir e fechar de olhos desapareceram os quiosques que se estendiam ao longo da Praia da Costa do Sol, que eram uma espécie de íman para poucos banhistas e muitos bons vivans. Quem por ali passar hoje vai ficar de queixo caído e indagar-se-á como foi possível aquilo.
O certo é que agora do meio da estrada é possível espreitar as águas do mar, ver as ondas esbaterem-se na areia da praia, barcos a vela ao longe, petroleiros correndo no alto-mar, sem que para tal se tenha de alongar o pescoço.
As vendedeiras de frango, peixe, sobretudo magumba grelhada e temperada com molho de limão e piripíri podem estar a sentir um nó na garganta. Mas o horizonte é risonho. Vozes há, e não são poucas, que advogam a existência de uma feira dominical de frango e magumba, até porque seria sui generis na região.
Certo, certo é que as coisas não podiam continuar como estavam. Anarquia de bradar os céus misturada com maus costumes como cacos de garrafas de vários tipos de bebidas alcoólicas, despudor, bebedeira até o sol raiar, sobretudo aos fins-de-semana.
Agora há uma nova vida. Costa do Sol tem sol, mais sorrisos, mais higiene. Em suma, está mais saudável. A cidade  recupera, paulatinamente, um antigo slogan. Maputo cidade linda e organizada.
O céu é o limite. As imagens são do nosso colega Carlos Uqueio. Indubitavelmente, ele tem olho e... click.











quarta-feira, 22 de abril de 2020


                        Praia fantasma
               



Texto: Belmiro Adamugy
Fotos: Carlos Uqueio

De repente o silêncio tomou conta de tudo. Nem o marulhar faz mais sentido. O instinto de sobrevivência está no pico. Adrenalina pura. Fugir ou lutar? No caso, a resposta é mesmo esta: fugir, ficar em quarentena e olhar para o horizonte com fé. A COVID -19 conseguiu “limpar” a Praia da Costa do Sol. A “Pedra” não é a mesma. Os habituais convivas e a dezena de mamanas que ali fervilhavam - fizesse sol ou chuva miuda - sumiram. Volatilizaram-se. As barracas ficaram apenas para testemunharem essa estória recente. O que há de bonito nestas imagens captadas pelo foto-jornalista Carlos Uqueio, contrasta com o credo na boca com que vivem, por estes dias, aqueles que dependiam única e exclusivamente do negócio do frango assado, magumba com xima e umas cervejolas. A crise instalou-se tal como o coronavírus nas nossas vida. O medo, criou em plena praia uma pequena cidade fantasma… 














quarta-feira, 1 de abril de 2020

Quando o sol raia em Adis Abeba(Etiopia)
                                
                                                          
                                                        Texto: Carol Banze
                                                         Fotos: Carlos Uqueio

                                       
Nem sempre o raiar do sol liberta o homem do azedume da vida. Mas também, como diz o outro, nunca houve uma noite ou um problema que pudesse derrotar o nascer do sol ou a esperança. Assim, a cada raiar, brota a força interior libertada de almas imbuídas de prazer, prazer de colher, de viver.
Em Adis Abeba, uma cidade africana fundada em 1886, marcadamente comercial e cultural, o sol promove o calor humano e empurra-o apressadamente em direcção à rosa-dos-ventos, indicando, desse modo, o rumo aos indivíduos que a habitam. Ali, homens e mulheres cruzam-se entre o tracejado típico da modernidade, reflectido no tamanho dos arranha-céus possantes e exuberantes. Estas criações arquitectónicas, que se distribuem pelas inúmeras artérias da cidade, “contemplam” a azáfama humana exibindo perfis refinados que se distinguem dos outros povos pelo tracejado sem igual. Algumas destas molduras em forma de carne desfilam as vestimentas que traduzem as suas convicções e opções.
No largo das avenidas há espaço para tudo e todos; para o velho e para o novo. Veículos motorizados e não só transportam sonhos despertados dos homens que acordam para a vida.
E o que dizer de quem se prostra jogado num recanto da cidade? Pois, é deste modo que se configura a antítese típica das grandes cidades, onde se encontram ricos e pobres; o feliz e o infeliz.
Seja como for, o colorido desses lugares e das respectivas gentes acendem a todo instante a luz da esperança por dias melhores, afinal a vida é feita para ser vivida bem ou mal; empoleirado em amontoados de madeira; agarrado a uma fresta de vidro ou circulando centímetro a centímetro confiante no lucro que chega centavo a centavo, debaixo do sol. Em Adis Abeba, a vida corre como se conduz. À velocidade imposta pelas suas gentes. E o olhar de lince de Carlos Uqueio viu, gostou e registou.