quarta-feira, 23 de abril de 2025

    Será que fotografar o Estado me impede de contar outras histórias

 Por: Carlos Uqueio

Alguns colegas de profissão, talvez por não me conhecerem bem ou por escolherem ignorar o meu percurso, costumam dizer com certo desdém: “Haaaa porque você só sabe fotografar eventos oficiais do Estado e para reportagens que nós queremos, não.” Essa afirmação, para além de injusta, revela uma visão limitada e preconceituosa sobre o verdadeiro papel de um fotojornalista.

 

Durante mais de 18 anos de carreira, construí um caminho sólido primeiro como fotógrafo e depois como repórter. Trabalhei lado a lado com autoridades do Estado, sim, mas isso nunca me tornou um fotógrafo de gabinete, tampouco me impediu de mergulhar nas realidades mais cruas, humanas e difíceis do nosso país. Pelo contrário. Fotografar o Estado exige técnica, disciplina, capacidade de adaptação e atenção ao detalhe. E é justamente essa formação rigorosa que me preparou para lidar com qualquer cenário.

 

O que muitos esquecem é que antes de ser um fotógrafo de cerimónias protocolares, sou um contador de histórias. A minha lente não capta apenas paletós e discursos, ela capta emoções, desigualdades, contrastes e a essência humana. Já registei a dor dos marginalizados, o abandono de comunidades esquecidas, o sorriso tímido de uma criança em situação de vulnerabilidade e a força de quem sobrevive mesmo diante da miséria.

 

A fotografia para mim nunca foi apenas trabalho, é missão. Missão de mostrar o que muitos não querem ver, de dar voz a quem não tem microfone. E isso se aplica tanto a um acto oficial quanto a uma reportagem em qualquer parte do meu país. Tenho a técnica, a experiência, a sensibilidade e o compromisso com a verdade. O que me define não é o lugar onde fotografo, mas *como* fotografo.

 

É fácil julgar quem está em destaque. Mas é preciso honestidade para reconhecer talento, mesmo quando ele quebra expectativas e ultrapassa os limites impostos por olhares enviesados. As mesmas mãos que seguram a câmara num evento presidencial são as que seguram firme nos becos dos bairros periféricos como Mafalala,Chamanculo, Xiquelene e nos becos escuros, nos hospitais públicos e nos campos de deslocados. E isso não me torna menos repórter, pelo contrário, me torna mais preparado, mais atento e mais comprometido com a realidade do meu país.

 

Não me limito. Nunca me limitei. E quem realmente acompanha o meu trabalho sabe disso. A fotografia oficial foi e continua sendo escola  mas o meu território de actuação é tão vasto quanto os desafios sociais do meu país. Reduzir minha trajectória a um único tipo de fotografia é desonesto e, acima de tudo, uma tentativa frustrada de apagar um legado construído com verdade, respeito e dedicação.

 

Eu sou repórter. Eu sou fotógrafo. E estou pronto para qualquer pauta, seja ela institucional, social, cultural ou humana.

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