Quando a lei se torna armadilha
Por: Carlos Uqueio
Há acontecimentos que, quando contados, parecem saídos de um filme policial mal-intencionado. Mas, infelizmente, são histórias reais que acontecem ao nosso lado, nos bairros e ruas que conhecemos bem.
Recentemente, um conhecido viveu uma situação que me fez refletir profundamente sobre a frágil linha que separa a segurança do abuso de poder. Ele caminhava para o trabalho, tranquilo, quando foi abordado por agentes da lei e ordem. Como cidadão exemplar, identificou-se e aceitou que revistassem a sua mochila. Tudo parecia dentro do normal, até que um dos agentes retira algo de dentro e pergunta com seriedade: “Senhor, o que é isto que carrega aqui?”. Para o seu espanto, tratava-se de droga, algo que ele nunca tinha visto antes. Tudo indicava que não estava ali antes da revista. Presume-se que tenha sido colocada de forma clandestina pelos próprios agentes, possivelmente com a intenção de o incriminar e exigir dinheiro para “resolver” a situação.
O que o salvou foi a intervenção rápida e firme do irmão, que conhecendo a sua conduta, não hesitou em confrontar os agentes. Entre palavras duras e ameaças de denúncia, conseguiu que recuassem. Um episódio que poderia ter destruído a vida de um inocente terminou ali, mas deixou uma ferida de desconfiança.
Infelizmente, não é um caso isolado. Eu próprio já passei por algo semelhante, mas no meu caso estava de carro. Pelo espelho retrovisor, vi um agente colocar algo estranho na parte traseira do veículo. Chamei-o e disse: “Eu vi o que colocou aí. Se não remover agora, vou denunciá-lo”. Ele retirou o objecto sem discutir e encerrou a abordagem.
Situações assim levantam uma pergunta dolorosa: quando aqueles que deveriam proteger-nos se tornam motivo de medo, a quem podemos recorrer? Uma polícia honesta, responsável e justa é essencial para qualquer sociedade. E é importante dizer que existem muitos bons agentes, profissionais dedicados que arriscam a vida todos os dias para manter a ordem. Estes merecem o nosso respeito e reconhecimento. Mas não podemos ignorar que há também aqueles que, com condutas erradas, mancham a imagem de toda a corporação e colocam em risco a confiança do público.
O maior perigo está na impunidade. Quando abusos não são investigados, punidos e corrigidos, abre-se espaço para que práticas ilegais se tornem “normais” dentro de certos círculos. Isso mina o contrato social entre cidadão e Estado, fragiliza a autoridade legítima e deixa o povo vulnerável a acusações falsas, chantagens e intimidações.
Por isso, é urgente que haja canais seguros e eficazes para denunciar esses abusos, proteção real para quem denuncia e investigações sérias, conduzidas com independência. O cidadão, por sua vez, deve manter a calma e agir com respeito mesmo em abordagens injustas, estar atento a cada movimento do agente, registar provas sempre que possível e conhecer os seus direitos para saber até onde a autoridade pode ir. Caso se depare com abuso, deve procurar denunciar através dos canais competentes.
No dia em que a lei se transforma numa armadilha, todos estamos em perigo. E um perigo que veste uniforme é ainda mais difícil de enfrentar. Mas enquanto houver cidadãos vigilantes e agentes íntegros dentro da corporação, ainda há esperança de que a segurança volte a ser sinónimo de proteção, e não de medo.
Sem comentários:
Enviar um comentário