Culto a la zione
Água do mar não tem azar
Texto de : CAROL BANZE
Fotos de Carlos Uqueio
Eles estendem-se pelas areias brancas
da praia. Desligam-se do concreto e estabelecem um diálogo com o invisível. O
mar torna-se um verdadeiro altar, por dentro e por fora.
Cor e luz (divina) resplandecem e
ganham espaço em momentos de louvor feitos ao vento, numa combinação “mais que perfeita”. Um movimento
invariável e combinado de pernas “desarruma” o soalho alvo gratuitamente
oferecido pela natureza. São os crentes da igreja zione, que giram, giram,
fortificando o compromisso com o omnisciente, omnipotente e omnipresente, um
exercício feito geralmente sob orientação de pastores.
Hilário Zanga é um destes homens, que
se apresenta equipado de bengala e batina de cor branca presa por um xifungo
(corda) de confecção ímpar que lhe circulava a cintura franzina. Ele monitorava
as manifestações de “Helena”, uma mulher “possuída”,
que fora parar ao terreiro por culpa das forças do além. 
Movimentada à semelhança de um
xindire (pião), entrou para a roda da investigação profunda, que terminaria
minutos após se detectar “um espírito”,
que se apresentou aos olhos da reportagem do domingo
como um velho e bom “guerrilheiro”.
A verdade é que, naquele instante,
“Helena” havia perdido partes de si, da sua consciência: batia desesperadamente
no peito; marchava, ajoelhava, gritava, lacrimejava. Emitia uma voz
marcadamente masculina, que lhe subia laringe acima, contrariando toda a sua
natureza feminina.
Esta cena ocorreu numa manhã
recentemente passada de Inverno, num dia marcado propositadamente “para detectar e tirar demónios”, revelou
o pastor Hilário ao domingo.
Era uma missão e tanto, que desafiava
a brisa frígida trazida pelos movimentos do mar largo, que, de segundo a
segundo, vomitava a escuma que aparentemente o afligia.
O que se dizia é que havia que
“libertar” “Helena”, “Rosa”, “Simião” e outros tantos, uma acção
feita aos rodopios de esbugalhar as pupilas de qualquer um.
E as ondas da praia simplesmente
conspiravam a favor. Na realidade, tudo o que se queria era, precisamente,
aquele ar (des) concertante das águas salgadas, que induzia a uma sensação
arrepiante porém motivadora, em que se cria que do sal sairia a cura, pois esta
substância “afugenta o mal; torna a vida mais saborosa, afinal, até a comida
sem sal não tem gosto nenhum, não é verdade?”, observou Celeste Chilavule,
membro da igreja zione, sediada na autarquia de Boane, província de Maputo.

E a luta continuou sob o olhar atento
dos leigos e adeptos. Corpos de humanos imergiam e emergiam de segundo a
segundo. Vibravam, vociferavam, babavam. “Hiyêêêê...”, lá se
manifestavam sob olhares atentos dos diferentes grupos, que, paralelamente,
juntavam as mãos em plenas e profundas orações, com o intuito de “agradar os
espíritos que ‘vivem’ dentro do mar. São eles que atraem estas pessoas para
aqui, para poderem se manifestar. Os espíritos gostam de água, por isso,
todos nós devíamos mergulhar no mar, para nos purificarmos e revitalizarmos”, argumentou
o pastor Bila, participante ao culto.
UMA COR
UMA FUNÇÃO
A vida religiosa na congregação zione
é, no mínimo, cheia de mistérios. Na bagagem do “bom pastor”, para além do xifungo e da batina “não faltam a vela, os óleos que dão sorte no trabalho e no amor. Alguns
fazem os homens torcerem o pescoço ao avistarem o sexo oposto na via pública
(ou vice-versa). São vários artigos, cada um com a respectiva função”,
citou Zanga.
Falando especialmente da vestimenta
de variadas cores, explicou que levam consigo uma elevada carga simbólica.

De acordo com aquele pastor, o verde traz paz e harmonia, à semelhança do
branco. Mas a cor branca, ao mesmo tempo, ajuda na comunicação e cria harmonia
na relação com os defuntos: “eles passam
a mostrar em sonhos os males que circundam os seus familiares”, argumentou.
Já o amarelo – continuou – serve para chamar e/ou evocar os bons ares; para
proporcionar a graça na vida do indivíduo. Em posição de ataque está o vermelho
“usado para combater os maus espíritos”. Numa posição contrária, usam a cor castanha
para premiar a vida do homem,
“dando-lhe bênçãos”, avançou.
O trabalho complexo e curioso arrasta
homens e mulheres aos magotes, e “é sustentado pela simbologia da água
encontrada na bíblia, ou seja, no facto de que Jesus Cristo foi
purificado com recurso à água, através do baptismo. Por isso, costuma-se dizer
que a água do mar não tem azar”, argumentou José Sequeira, crente da igreja
zione.
Facto interessante é que esta
actividade já mereceu, inclusive, estudos científicos.
Consta
em algumas linhas dessas pesquisas (vide Victor AGADJANIAN, Lusotopie 1999) que a origem do nome das
igrejas ziones (Zionist) provém da cidade de Zion City, Illinois, Estados
Unidos da América, onde a Christian Apostolic Catholic Church, a Igreja que deu
o início a este ramo do pentecostalismo, foi fundada por J. Dowie em 1896.
As
primeiras igrejas zionistas na África Austral surgiram na África do Sul sob a
influência norte-americana no início deste século. A sua penetração em
Moçambique começou no período colonial e continuou a crescer depois da
proclamação da independência de Moçambique, em 1975.
É
estruturada em torno da figura carismática do pastor (mufundisi) que
frequentemente, sobretudo em casos de igrejas pequenas, é também o profeta
(muprofeta), que possui o dom de invocar o Espírito Santo para efectuar a cura.
Entretanto,
outro facto a salientar é que participam em sessões
ziones membros permanentes, que frequentam tanto as sessões de oração como as
de tratamento. Mas também os que buscam a cura e portanto frequentam sobretudo
as sessões de tratamento (masiku ya kupfuna). No segundo caso, nem sempre a
participação significa uma conversão definitiva.