quarta-feira, 30 de abril de 2025

 Vestem-se de desleixo, mas querem o reconhecimento!

Por Carlos Uqueio

Num país onde se clama diariamente por profissionalismo, ética e responsabilidade no exercício do jornalismo, é surpreendente e profundamente decepcionante, constatar que, dentro das próprias redacções, ainda haja quem transforme o zelo pela boa apresentação num motivo de zombaria ou exclusão. Não é raro ouvir frases como “Haaaa, porque ele está bem vestido...” seguidas de um desdém disfarçado, cada vez que sou escalado para cobrir actividades na Presidência da República ou em outras instituições de Estado.

A verdade é simples, ainda que desconfortável para alguns: o jornalismo institucional exige mais do que conhecimento técnico. Requer postura, respeito pelo protocolo, sensibilidade ao ambiente e, sim, uma apresentação condigna. Não se trata de vaidade. Trata-se de compreender que, ao atravessar os portões de um órgão de soberania, o repórter não representa apenas a si mesmo, mas sim representa o órgão de comunicação para o qual trabalha, a profissão que exerce e, em última instância, a imagem do jornalismo nacional.

Lamentavelmente, o que se verifica na prática é o oposto. Muitos colegas rejeitam, com leviandade, tarefas que exigem presença institucional. Fogem a responsabilidades sob pretextos frágeis ou entregam-se a um desleixo que não se coaduna com a nobreza da profissão. Quando escalados para a Presidência, há quem torça o nariz, invente desculpas ou, no limite, insinue que quem aceita essas missões está apenas a “querer aparecer”.

Ora, não deveria ser assim. O compromisso com a profissão exige que estejamos sempre prontos, com rigor, disciplina e brio profissional. Quem se recusa a cumprir esse dever, por comodismo ou por preconceito contra o “estar bem vestido”, abdica do essencial: a responsabilidade de servir o público com dignidade e respeito pelas instituições do Estado.

A frustração torna-se ainda maior quando o esforço e a dedicação não são reconhecidos, ou pior, são punidos com exclusão. Sim, quando aparecem oportunidades de formação, bolsas, viagens ou reconhecimento institucional, muitas vezes aqueles que demonstraram responsabilidade e respeito pelas normas são deixados de fora. E porquê? Porque os “bem vestidos” incomodam. Porque o profissionalismo é visto, paradoxalmente, como uma ameaça e não como um exemplo a seguir.

É chegada a hora de rompermos com essa cultura do facilitismo e da mediocridade. Precisamos de uma geração de jornalistas que se orgulhem de cumprir as suas funções com excelência, que entendam que estar bem apresentado não é um capricho, mas  um acto de respeito por si mesmos, pelo ofício e pelos cidadãos que informam.

Num tempo em que o jornalismo precisa urgentemente de recuperar a sua credibilidade, não podemos continuar a compactuar com atitudes que desvalorizam a nossa imagem pública. A cobertura de actos presidenciais e outros eventos protocolares não pode ser encarada como uma “chatice” ou uma “desculpa para se vestir bem”. É, antes de tudo, um serviço de elevada responsabilidade, onde se exige profissionalismo total, da fala ao trajar.

Não posso aceitar ser sacrificado por me apresentar de forma digna. E recuso qualquer tentativa de transformar o profissionalismo em pecado. Sejamos, portanto, firmes. Que cada jornalista olhe para o espelho antes de sair de casa e se pergunte: estou pronto para representar condignamente a minha profissão?

Porque, no fim, vestir-se bem é apenas o reflexo exterior de uma ética interior que muitos ainda não se dispuseram a cultivar.

 

terça-feira, 29 de abril de 2025

 Carlos Uqueio conquista o seu espaço na Imprensa Internacional

Tudo começou com uma simples chamada telefónica, mas que mudaria o rumo da minha carreira. No final de setembro de 2024, o respeitado jornalista e correspondente internacional Charles Mangwiro entrou em contacto comigo com uma proposta desafiadora e instigante: um fotojornalista ligado à agência Associated Press (AP), baseada nos Estados Unidos, e com operações em Joanesburgo, África do Sul, estava à procura de um fotojornalista moçambicano com um portfólio sólido e experiência em coberturas de peso. A missão era clara: documentar o encerramento da campanha eleitoral em Maputo, o processo de votação, a divulgação dos resultados, a proclamação do vencedor e, por fim, a tomada de posse presidencial.

Esse fotojornalista era Dennis Farrell, que, após a recomendação de Charles, entrou em contacto comigo directamente da África do Sul. Mais tarde, tive o privilégio de colaborar com outros profissionais de renome da Associated Press, como Jerome Delay, Themba Hadebe e Gerald Imray. Posteriormente, também fui contactado por Sunday Alamba, da Nigéria, ampliando ainda mais a rede de profissionais com quem tive o prazer de trabalhar.

Sem hesitar, aceitei o desafio, movido pela paixão pela fotografia e pela oportunidade de colocar o meu trabalho diante de uma audiência global. Era o início de uma jornada que jamais imaginaria que teria tal repercussão.

As primeiras imagens foram publicadas pela The Associated Press (AP) Estados Unidos, uma das agências de notícias mais prestigiadas do mundo. De forma surpreendente e extremamente gratificante, o meu trabalho começou a ser replicado por alguns dos maiores veículos de comunicação internacionais. Fotos que eu mesmo captei ganharam espaço em:

The New York Times Estados Unidos

The Telegraph Reino Unido

The Wall Street Journal Estados Unidos

The Guardian Reino Unido
Link: https://www.theguardian.com/world/2024/oct/09/mozambique-ruling-party-likely-to-win-elections-despite-dissatisfied-youth]

The Washington Post Estados Unidos
Link: https://www.washingtonpost.com/world/2025/04/15/mozambique-protests-election-violence-amnesty-international/72f67ec6-1a45-11f0-9160-306c35f9b3a8_story.html]

Al Jazeera Qatar
Link: https://www.aljazeera.com/news/2024/12/23/mozambiques-controversial-election-result-upheld]

Correio da Manhã Portugal
Link: https://www.cmjornal.pt/mundo/detalhe/estado-mocambicano-perdeu-seis-milhoes-de-euros-devido-a-corrupcao-em-2024-segundo-dados-do-mp]

The Paris News Estados Unidos
Link: https://theparisnews.com/ap/national/photo-collection-best-of-vatican-obit-pope-francis-global-reaction-photo-collection/article_d8c4aa33-f241-534d-ba86-59b396e750f2.html]

RFI (Radio France Internationale) França
[Link: https://www.rfi.fr/en/africa/20241224-mozambique-faces-more-unrest-after-high-court-confirms-frelimo-victory]

Euronews França/Europa
[Link: https://www.euronews.com/2025/01/09/mozambique-opposition-leader-returns-from-self-exile-as-police-break-up-demonstration]

DW (Deutsche Welle) Alemanha
[Link: https://www.dw.com/en/mozambique-tensions-rise-as-main-opposition-leader-returns/a-71253026]

VOA (Voice of America) Estados Unidos
[Link: https://www.voanews.com/a/mozambique-council-to-rule-on-election-results-monday/7910484.html]

Ver o meu nome associado a essas publicações históricas, que moldam diariamente a opinião pública global, foi e continua sendo o maior orgulho da minha trajectória profissional. Cada reprodução de uma fotografia minha, cada crédito dado ao meu trabalho, era como uma medalha de reconhecimento por anos de dedicação silenciosa, muitas vezes longe dos holofotes.

Além do reconhecimento, a experiência rendeu frutos financeiros consideráveis, permitindo-me investir ainda mais na minha formação, no aprimoramento do meu equipamento e, principalmente, na ampliação da minha visão sobre o poder transformador do fotojornalismo. Mais do que imagens congeladas no tempo, compreendi que cada clique era um registro vivo da história em construção e que, de alguma forma, eu fazia parte dela.

Serei eternamente grato pela confiança depositada em mim, tanto por Charles Mangwiro, que fez a ponte inicial, como pela equipe da Associated Press que acreditou no meu olhar fotográfico para narrar um momento tão crucial da história política de Moçambique. Esta experiência não apenas validou a qualidade do meu trabalho, como também reforçou o meu compromisso de continuar a documentar, com rigor e sensibilidade, os momentos que definem o nosso tempo.

Hoje, mais do que nunca, acredito que a fotografia é uma linguagem universal e sei que as imagens que captei atravessaram fronteiras e chegaram a públicos diversos, despertando olhares, reflexões e emoções em cada canto do mundo.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

 O Que Levo na Mochila: Equipamento Essencial de um Fotógrafo Oficial

Por Carlos Uqueio, fotógrafo oficial e fotojornalista

Ser fotógrafo oficial é viver entre a solenidade e o improviso, entre o instante e a eternidade. Acompanhar os antigos Primeiros-Ministros de Moçambique, Carlos Agostinho do Rosário, Adriano Maleiane e agora Maria Benvida Levi ,foi e contina sendo, mais do que uma missão profissional: tem sido um exercício contínuo de sensibilidade, técnica e discrição. Mas por trás de cada imagem bem-sucedida, há uma mochila carregada de escolhas conscientes e no meu caso, sempre com equipamentos Nikon.

Câmeras Nikon D7000 e D7100: Duas Companheiras Fiéis

Durante anos de serviço oficial, nunca saí de casa sem minhas duas fiéis companheiras: a Nikon D7000 e a Nikon D7100. São câmeras robustas, resistentes ao clima, com excelente desempenho em ambientes de baixa luz e uma reprodução de cores que sempre me transmitiu confiança. Trabalhar com dois corpos permite adaptar-me rapidamente à cena sem perder segundos preciosos trocando lentes.

 

Em cerimónias formais ou visitas de Estado, é comum usar uma câmera com lente grande angular e outra com uma teleobjetiva , permitindo que eu registre tanto os ambientes quanto os detalhes, em tempo real.

 

Lentes para Todas as Situações

Ao longo dos anos, selecionei um conjunto de lentes que respondem bem às exigências de eventos protocolares e deslocações institucionais:

- Nikon 17-55mm f/2.8 – Minha lente “de batalha”. Rápida, versátil e nítida. Ideal para coberturas gerais, salas de conferência, bastidores e fotografias espontâneas. Já registou apertos de mão presidenciais e bastidores de gabinete com a mesma precisão.

- 50mm f/1.8 f Uma lente leve e discreta, perfeita para retratos em ambientes silenciosos. Usei-a muitas vezes para capturar varios momentos de leitura de discursos, planos fechados e com fundos bem desfocados dos Primeiros-Ministros, sem interromper o ambiente.

- 12-24mm ou 10-20mm – São as lentes que me permitem mostrar a grandiosidade de certos espaços institucionais, como salões parlamentares, auditórios ou receções diplomáticas. Uma vez, durante uma cerimónia no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano, a grande angular me permitiu capturar toda a composição arquitetónica e a interação entre os presentes numa conferência.

- 8mm Olho de Peixe – Para imagens artísticas ou criativas em eventos especiais, essa lente oferece uma visão pouco convencional, que atrai o olhar do público. Usei-a em coberturas culturais ou para destacar multidões em actos públicos.

- 80-200mm f/2.8 – A lente que me permite manter distância sem perder intensidade. Em eventos com restrições de acesso, como desfiles ou reuniões bilaterais, ela me garante closes expressivos mesmo à distância. Foi indispensável durante uma visita oficial a Cabo Delgado, onde a segurança limitava a movimentação.

Iluminação: SB-900 e SB-910

A luz é a alma da fotografia, e nas situações onde ela falta, entram os meus flashes Nikon SB-900 e SB-910. Com difusores, rebatedores e sempre com pilhas extras, eles garantem resultados naturais mesmo nos ambientes mais desafiadores , como eventos noturnos, encontros em salas mal iluminadas ou interiores de edifícios antigos.

Outros Itens Cruciais

- *Cartões SD extras*, sempre confiáveis e com cópias de segurança.

- *Baterias sobressalentes* para cada corpo de câmera.

- *Powerbank de alta capacidade*, útil para carregar dispositivos durante longas coberturas.

- *Tripé compacto*, quando há oportunidade para retratos ou imagens estáticas formais.

 

Mais do Que Equipamento: Ética, Leitura de Ambiente e Intuição

 

Ser fotógrafo oficial não é apenas estar presente , é saber ver sem interferir. Há momentos em que a câmera deve ficar no ombro e os olhos atentos. A leitura política e emocional do ambiente é tão importante quanto o ISO e a abertura.

Lembro-me de um episódio com o Primeiro-Ministro Adriano Maleiane, após uma reunião intensa no seu Gabinete de trabalho. Notei um instante de reflexão solitária antes de ele deixar o local. Com minha 50mm silenciosa e luz natural vinda da janela, capturei um retrato que dizia muito, sem uma palavra.

 Conclusão

A mochila de um fotógrafo oficial é mais do que um conjunto técnico. É um reflexo do seu olhar, da sua estratégia e do seu respeito pelo que está diante da lente. Cada lente que carrego tem uma razão de estar ali. E cada imagem que produzo é o resultado dessa combinação entre técnica, experiência e sensibilidade.

Porque fotografar uma autoridade não é apenas documentar o poder , é captar a humanidade por trás do cargo, com responsabilidade, precisão e, acima de tudo, respeito.

    Será que fotografar o Estado me impede de contar outras histórias

 Por: Carlos Uqueio

Alguns colegas de profissão, talvez por não me conhecerem bem ou por escolherem ignorar o meu percurso, costumam dizer com certo desdém: “Haaaa porque você só sabe fotografar eventos oficiais do Estado e para reportagens que nós queremos, não.” Essa afirmação, para além de injusta, revela uma visão limitada e preconceituosa sobre o verdadeiro papel de um fotojornalista.

 

Durante mais de 18 anos de carreira, construí um caminho sólido primeiro como fotógrafo e depois como repórter. Trabalhei lado a lado com autoridades do Estado, sim, mas isso nunca me tornou um fotógrafo de gabinete, tampouco me impediu de mergulhar nas realidades mais cruas, humanas e difíceis do nosso país. Pelo contrário. Fotografar o Estado exige técnica, disciplina, capacidade de adaptação e atenção ao detalhe. E é justamente essa formação rigorosa que me preparou para lidar com qualquer cenário.

 

O que muitos esquecem é que antes de ser um fotógrafo de cerimónias protocolares, sou um contador de histórias. A minha lente não capta apenas paletós e discursos, ela capta emoções, desigualdades, contrastes e a essência humana. Já registei a dor dos marginalizados, o abandono de comunidades esquecidas, o sorriso tímido de uma criança em situação de vulnerabilidade e a força de quem sobrevive mesmo diante da miséria.

 

A fotografia para mim nunca foi apenas trabalho, é missão. Missão de mostrar o que muitos não querem ver, de dar voz a quem não tem microfone. E isso se aplica tanto a um acto oficial quanto a uma reportagem em qualquer parte do meu país. Tenho a técnica, a experiência, a sensibilidade e o compromisso com a verdade. O que me define não é o lugar onde fotografo, mas *como* fotografo.

 

É fácil julgar quem está em destaque. Mas é preciso honestidade para reconhecer talento, mesmo quando ele quebra expectativas e ultrapassa os limites impostos por olhares enviesados. As mesmas mãos que seguram a câmara num evento presidencial são as que seguram firme nos becos dos bairros periféricos como Mafalala,Chamanculo, Xiquelene e nos becos escuros, nos hospitais públicos e nos campos de deslocados. E isso não me torna menos repórter, pelo contrário, me torna mais preparado, mais atento e mais comprometido com a realidade do meu país.

 

Não me limito. Nunca me limitei. E quem realmente acompanha o meu trabalho sabe disso. A fotografia oficial foi e continua sendo escola  mas o meu território de actuação é tão vasto quanto os desafios sociais do meu país. Reduzir minha trajectória a um único tipo de fotografia é desonesto e, acima de tudo, uma tentativa frustrada de apagar um legado construído com verdade, respeito e dedicação.

 

Eu sou repórter. Eu sou fotógrafo. E estou pronto para qualquer pauta, seja ela institucional, social, cultural ou humana.

terça-feira, 22 de abril de 2025

 Celebração da Fé em Sexta-feira Santa

Neste conjunto de imagens, partilho momentos captados em algumas igrejas cristãs da cidade de Maputo durante as celebrações da Sexta-feira Santa. A fé, o silêncio e a devoção marcaram esta importante data do calendário cristão, vivida com intensidade por milhares de fiéis que relembraram o sacrifício de Jesus Cristo.










 QUANDO O CRACHÁ ESCONDE UM LADRÃO: UMA AMEAÇA AO JORNALISMO ÍNTEGRO 

 

Por: Carlos Uqueio

 

Nos últimos dias, circulou nas redes sociais uma denúncia tão absurda quanto real: pessoas, em especial jovens, têm se infiltrado em vários eventos públicos e privados voltados à comunicação, como seminários, fóruns, congressos e lançamentos, fingindo serem jornalistas. Usam crachás falsos, adoptam uma postura aparentemente profissional, fazem fotos, mexem no celular com expressão concentrada como se estivessem fazendo anotações  e até fingem estar a fazer vídeos em directo. Mas a verdade por trás desta encenação é muito mais sombria: não estão ali para informar, apurar ou divulgar. Estão ali para se aproveitar. E pior, para roubar.

 

Sim, é exatamente isso: roubo. Telemóveis, câmeras fotográficas, mochilas, carteiras, bolsas, tudo o que estiver ao alcance dos olhos (e das mãos) destes falsos profissionais vira alvo. Aproveitam-se da estrutura dos eventos, da confiança natural que um crachá de “imprensa” inspira, e circulam com liberdade. Entram, se alimentam nos coffee breaks, somem durante as sessões e reaparecem nos momentos estratégicos como por exemplo no almoço para fazerem mais vitimas. É um esquema articulado, e em certos casos, repetido em diversos eventos com impressionante naturalidade. E essa prática, além de criminosa, representa uma profunda agressão ao jornalismo sério e íntegro.

 

Como fotojornalista, não consigo ver essa situação com qualquer leveza. Pelo contrário, ela me inquieta profundamente. O jornalismo é, por definição, uma profissão que deveria ser sustentada por valores como ética, responsabilidade e compromisso com a verdade. Já enfrentamos inúmeros desafios: desinformação, ameaças físicas e morais. Agora, ainda temos que lidar com o uso criminoso da nossa identidade? Isso é mais do que uma afronta , é uma tentativa de minar a credibilidade de uma classe que, apesar das adversidades, segue resistindo.

 

A banalização do crachá é outro ponto que merece atenção. Durante muito tempo, esse pequeno acessório serviu como símbolo de acesso e legitimidade: um sinal de que ali estava alguém a serviço da informação, alguém que merecia circular livremente para cobrir os bastidores, entrevistar os palestrantes, registrar imagens. Hoje, o crachá virou um objecto vulnerável, que pode ser facilmente replicado por qualquer pessoa com acesso a uma impressora ou a um programa de edição de imagem. E o mais grave: os critérios de concessão de acesso à imprensa, por parte de muitos organizadores de eventos, são frágeis ou praticamente inexistentes.

 

É preciso dizer, com todas as letras: o crachá não faz o jornalista. Assim como a bata não faz o médico e a toga não faz o compromisso diário com a apuração, com a escuta, com o senso crítico, com o interesse público. Fingir-se jornalista para cometer furtos é, portanto, duplamente criminoso: é roubo e é falsidade ideológica. E quando esse golpe se repete, sem reacção por parte dos organizadores ou das  que representam a imprensa, há o risco de que a confiança social na figura do jornalista seja ainda mais corroída.

 

A resposta a isso precisa ser urgente. Eventos que reúnem a imprensa devem repensar seus protocolos. Não se trata de elitizar ou dificultar o acesso a estudantes ou profissionais independentes, mas sim de criar mecanismos mínimos de verificação. Um simples formulário online ou a apresentação de um perfil em rede social já não bastam. É preciso solicitar algum tipo de credencial válida, portfólio, comprovação de vínculo com veículo ou carta de intenção assinada. Medidas simples que poderiam, ao menos, inibir parte desse tipo de golpe.

 

Precisamos falar sobre isso em nossos espaços, nos encontros, nos congressos e também nas faculdades. O silêncio sobre este problema permite que ele cresça, normalize-se e se espalhe. A formação ética do jornalista começa muito antes da entrada em uma redacção, ela se constrói no modo como o futuro profissional entende sua responsabilidade diante da sociedade. Fingir-se jornalista para roubar é o oposto disso. É o fracasso da ética, da cidadania e da decência.

 

Muitos argumentam que “é só um lanche”, como se o crime se tornasse menos grave ao ser disfarçado de malandragem. Mas o roubo é roubo. E quando feito sob a máscara do jornalismo, ganha contornos ainda mais perigosos. Estes actos afectam a confiança que a sociedade deposita na imprensa. Já vivemos tempos em que muitos duvidam da informação legítima, atacam repórteres nas ruas, desacreditam orgãos de comunicação sérios. Permitir que o título de jornalista seja usado como fachada para o crime é contribuir para a queda final da credibilidade que tanto lutamos para preservar.

 

Por tudo isso, é necessário denunciar, expor e reagir. Os verdadeiros profissionais não podem permitir que seu ofício seja confundido com o oportunismo de alguns. Que fiquemos atentos, que observemos os rostos que aparecem e desaparecem nos eventos, que alertemos colegas e organizadores, que exijamos critérios mais sólidos. Defender o jornalismo é também zelar por sua reputação. Não há espaço para tolerância ou conivência quando se trata da ética profissional.

 

Aos que ainda confundem jornalismo com crachá: saibam que a força de um repórter não está no cartão pendurado ao pescoço, mas na seriedade do seu trabalho. O jornalismo verdadeiro se vê todos os dias, na rua, nas pautas difíceis, na coragem de perguntar, na persistência em apurar. E este tipo de jornalismo, aquele que honra a profissão, jamais será confundido com oportunismo, nem manchado por quem o utiliza como fachada para praticar crimes.

 A Importância da Expressão Facial na Fotografia Oficial: Uma Questão de Respeito e Responsabilidade

  Por: Carlos Uqueio, reporter e monitor em fotografia documental e jornalistica

Em tempos onde a imagem vale tanto quanto ou até mais do que  mil palavras, a responsabilidade do fotógrafo oficial ganha contornos ainda mais sérios e exigentes. Não se trata apenas de saber manusear uma câmara ou de captar a luz ideal, mas sim de compreender o contexto, o sentimento e a mensagem por detrás de cada clique. Quando se fotografa uma autoridade pública, como o Presidente da República ou o Primeiro-Ministro, o compromisso vai além do enquadramento técnico: é uma missão de comunicação institucional e, acima de tudo, de respeito.

 

A expressão facial do fotografado, especialmente em momentos de sensibilidade como uma visita a famílias enlutadas, carrega um peso simbólico que não pode ser negligenciado. Uma imagem onde o dirigente aparece a sorrir em meio à dor alheia não é apenas um erro técnico, é uma falha de empatia, de leitura do ambiente e de profissionalismo. Ela compromete a credibilidade do próprio governante, dando margem a interpretações erradas e, muitas vezes, injustas, sobre sua postura e humanidade diante da dor do povo.

 

É fundamental que o fotógrafo oficial entenda que está ali não só para documentar, mas para representar. Representar a emoção, a seriedade e a mensagem adequada ao momento. Daí a importância de observar atentamente as expressões faciais e de saber quando clicar. Não é suficiente fazer um único disparo e confiar na sorte. Situações delicadas exigem sensibilidade, mas também estratégia: usar o modo contínuo da câmara permite captar uma sequência de imagens que podem depois ser cuidadosamente analisadas na edição, garantindo que se escolhe aquela que melhor representa o momento vivido.

 

Fotografar é, em muitos casos, interpretar o mundo por meio de uma lente. Quando se está diante de figuras públicas, essa interpretação ganha caráter oficial. Por isso, é necessário mais do que técnica  é preciso ética, empatia e sensibilidade. A imagem que se publica hoje molda a percepção pública de amanhã. E cabe ao fotógrafo oficial saber disso e agir com a responsabilidade que o cargo exige.

 

Afinal, uma boa fotografia não é apenas aquela que é bonita, mas aquela que é fiel, justa e adequada.