Vestem-se de desleixo, mas querem o reconhecimento!
Por Carlos Uqueio
Num país onde se clama diariamente por profissionalismo, ética e responsabilidade no exercício do jornalismo, é surpreendente e profundamente decepcionante, constatar que, dentro das próprias redacções, ainda haja quem transforme o zelo pela boa apresentação num motivo de zombaria ou exclusão. Não é raro ouvir frases como “Haaaa, porque ele está bem vestido...” seguidas de um desdém disfarçado, cada vez que sou escalado para cobrir actividades na Presidência da República ou em outras instituições de Estado.
A verdade é simples, ainda que desconfortável para alguns: o jornalismo institucional exige mais do que conhecimento técnico. Requer postura, respeito pelo protocolo, sensibilidade ao ambiente e, sim, uma apresentação condigna. Não se trata de vaidade. Trata-se de compreender que, ao atravessar os portões de um órgão de soberania, o repórter não representa apenas a si mesmo, mas sim representa o órgão de comunicação para o qual trabalha, a profissão que exerce e, em última instância, a imagem do jornalismo nacional.
Lamentavelmente, o que se verifica na prática é o oposto. Muitos colegas rejeitam, com leviandade, tarefas que exigem presença institucional. Fogem a responsabilidades sob pretextos frágeis ou entregam-se a um desleixo que não se coaduna com a nobreza da profissão. Quando escalados para a Presidência, há quem torça o nariz, invente desculpas ou, no limite, insinue que quem aceita essas missões está apenas a “querer aparecer”.
Ora, não deveria ser assim. O compromisso com a profissão exige que estejamos sempre prontos, com rigor, disciplina e brio profissional. Quem se recusa a cumprir esse dever, por comodismo ou por preconceito contra o “estar bem vestido”, abdica do essencial: a responsabilidade de servir o público com dignidade e respeito pelas instituições do Estado.
A frustração torna-se ainda maior quando o esforço e a dedicação não são reconhecidos, ou pior, são punidos com exclusão. Sim, quando aparecem oportunidades de formação, bolsas, viagens ou reconhecimento institucional, muitas vezes aqueles que demonstraram responsabilidade e respeito pelas normas são deixados de fora. E porquê? Porque os “bem vestidos” incomodam. Porque o profissionalismo é visto, paradoxalmente, como uma ameaça e não como um exemplo a seguir.
É chegada a hora de rompermos com essa cultura do facilitismo e da mediocridade. Precisamos de uma geração de jornalistas que se orgulhem de cumprir as suas funções com excelência, que entendam que estar bem apresentado não é um capricho, mas um acto de respeito por si mesmos, pelo ofício e pelos cidadãos que informam.
Num tempo em que o jornalismo precisa urgentemente de recuperar a sua credibilidade, não podemos continuar a compactuar com atitudes que desvalorizam a nossa imagem pública. A cobertura de actos presidenciais e outros eventos protocolares não pode ser encarada como uma “chatice” ou uma “desculpa para se vestir bem”. É, antes de tudo, um serviço de elevada responsabilidade, onde se exige profissionalismo total, da fala ao trajar.
Não posso aceitar ser sacrificado por me apresentar de forma digna. E recuso qualquer tentativa de transformar o profissionalismo em pecado. Sejamos, portanto, firmes. Que cada jornalista olhe para o espelho antes de sair de casa e se pergunte: estou pronto para representar condignamente a minha profissão?
Porque, no fim, vestir-se bem é apenas o reflexo exterior de uma ética interior que muitos ainda não se dispuseram a cultivar.