quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Quando entro em transe falo línguas que normalmente desconheço
Texto: Carol Banze
Fotos: Carlos Uqueio
                                      
Soa o som do primeiro batuque; seguem-se as réplicas e, enfim, notas altas e graves compõem uma melodia que se alastra pelo ar, sob a batuta de quatro jovens mulheres que, concomitantemente, entoam um cântico em zulu.
Brados intrigantes soltam-se do interior de uma palhota, a metro e pouco do palco preparado para receber personalidades do além.
Muhlahle e Ntavene, duas matswasanas (aprendizes da medicina tradicional), lindas e jovens mulheres, irrompem palhota afora, de cajados e txowas (artefacto em forma de chicote feito de rabo de cavalo) em mãos e fazem a volta ao quintal que acolhe duas residências: uma, que hospeda habitantes como a gente, e outra, a figuras ocultas.
A nossa reportagem, ardilosamente posicionada, irradia, de segundo a segundo, um olhar por todos os cantos, iniciando a pintura de uma tela cujas figuras principais se demarcam pelo desdobramento de personalidade.
Muhlahle e Ntavene aparecem enformadas de carne e osso, em corpos emprestados. A todo momento emitem sons em idiomas desconhecidos por nós e pela maioria dos espectadores; tremelicam, erguendo os ombros num movimento de baixo para cima; dançam…. Os passos são cadenciados, marcados por pura elegância.
Os seus olhares não se cruzam com os nossos. São perdidos, mas ao mesmo tempo achados pela premente intenção de dizer a que vieram em forma de “espírito”.
                               
Nesse entretanto, uma mulher madura, sisuda, de poucas palavras posiciona-se sentada numa esteira, dando indicações da chegada da hora da saudação. O comando é imediatamente entendido. Muhlahle e Ntavene ajoelham-se perante si, fazem vénias e falam, quase que ininterruptamente em zulu, da sua proveniência e dos seus anseios.
A autoridade máxima do fórum onde nos encontramos acolhe aquelas falas e, de momentos em momentos, orienta o coro, afirmando: ‘thokoza nsila ya yingwe…’.
Dos momentos de transe
às dores da carne
                               
Passados aproximadamente 30 minutos, as duas alunas são atraídas para um compartimento da enorme casa onde, espantosamente, se transformam mais uma vez ao recobrarem a consciência.
Estas mulheres fitam os olhares na nossa equipa de reportagem, esboçam sorrisos….
Neste momento, a nossa intervenção é inevitável: vocês estão diferentes, dizemos, lembram-se do que fizeram há poucos minutos?, perguntamos. Para o nosso espanto, a resposta vem em forma de negação: “Não. O que fizemos? Podem narrar?, pedem-nos, “somente sentimos dores em todo o corpo, cansaço…”, revelam.
Este acaba sendo o grande pretexto para o nosso papo. A nossa intenção é perceber Que mundo é esse onde se geram transformações inexplicáveis, trazendo ao ambiente dos vivos figuras intangíveis materialmente?
Ainda que não encontrássemos uma resposta lógica, o que percebemos é que naquelas circunstâncias, o traje, os adereços, o toque dos batuques, os cânticos conspiravam a favor do mistério. Com efeito, uma das principiantes faz uma analogia, trazendo como elemento comparativo o contexto escolar: “estas roupas equivalem ao uniforme escolar e os cânticos ao hino nacional. Quando se canta o hino, as pessoas reagem ficando em sentido. No nosso caso a reacção é a que vocês viram e nós não temos consciência do que tenha se passado. Pior, nem sequer sabemos falar a língua dos espíritos (no caso o Zulu), apesar de nos momentos de transe articularmos fluentemente esta língua”, garantem. 
                               
A estupefacção da nossa parte cresce ainda mais e Muhlahle e Ntavene são intimadas a contar-nos as suas histórias.
 Segundo narram, tudo começou quando tinham poucos anos de vida. No caso de Ntavene, com apenas 9, sofreu de algumas crises de saúde e de comportamento, que se arrastaram até aos 16 anos. Nessa altura, “adoeci gravemente, a ponto de me levarem a um médico tradicional que revelou que eu tinha espíritos”. A infelicidade da jovem estendia-se pela vida afectiva. Em uma das tentativas de se juntar com o seu então parceiro para formar um lar, as coisas não deram certo, pois “eu fugia de madrugada e ia parar à casa de um médico tradicional guiada pelos espíritos”, afirma.
Destino pouco aventurado teve, por seu turno, Muhlahle que, aos 5 anos, já dava indicações de que algo precisava ser revisto em si. “Sofri muito de dores que praticamente não sumiam do meu corpo”.
São factos inefáveis que compõem as histórias das nossas personagens. Os seus relatos coincidem, igualmente, no que toca à sua vida escolar.
Ntavene jura que em contexto de sala de aula não captava sequer um número ou uma letra do que o professor ensinava. Já Muhlahle protagonizou uma proeza jamais entendida, ao frequentar e ficar aprovada desde o ensino primário até ao básico, sem pescar absolutamente nada do que o professor falava. “Eu não percebia, mas no dia das provas tirava até 20 valores”, garante. Hoje em dia, não sabe ler, nem escrever. Inclusive o seu próprio nome.
                                   
Já nos chamaram de malucos
- Zulfa Muchanga, de 53 anos, médica tradicional
As dificuldades por que passaram as nossas entrevistadas, antes de cursarem a medicina tradicional, fizeram com que alguns membros da sociedade as considerassem como sendo portadoras de deficiências mentais. Este testemunho é de Zulfa Muchanga, médica tradicional e formadora de iniciantes.
À semelhança de Muhlahle e Ntavene, quando criança, adolescente e jovem não tirou proveito “como devia ser” da carreira escolar. “Eu não percebia o que se falava, o que se escrevia no quadro”. Facto curioso é que, quando o professor se sentia agastado e se insurgia contra esta aluna, havia sempre uma paga: “se levantasse a voz contra mim ou coisa pior, eu me manifestava. O espírito saía, em plena sala de aula”.
Zulfa Muchanga estudou apenas até à 4ª classe. Hoje dedica-se de corpo e alma à medicina tradicional, atendendo os seus clientes/pacientes e formando novos elementos.
Trata-se de uma área que gera muita polémica, conforme afirma, pela interferência de elementos que, nalgum momento, desvirtuam a sua essência. “Quando um indivíduo almeja tornar-se médico tradicional, sem que seja algo natural, o seu trabalho perde peso. Não atinge os objectivos que se pretendem e, consequentemente, não ajuda na íntegra a quem precisa”, observa.
Mas quando se trata de “escolhidos”, tudo flui, garante Muchanga, e segue o curso natural das coisas. Geralmente, “eles (os escolhidos) são xarás, netos ou simplesmente familiares de elementos de uma estrutura familiar que possuíam esses poderes”.
Assim sendo, há uma conexão insubstituível entre tais indivíduos e os seus espíritos, que ajudam no sucesso desta missão, como médicos tradicionais, aclara Zulfa Muchanga.
É por estas e outras que, às vezes, a cura vem através dos sonhos: “em alguns casos, recebemos orientação sobre a existência de uma planta, no mato, que proporcionará a cura. Em casos de dificuldade de localização, ajoelhamos e phahlamos (evocar os espíritos), pedindo que nos mostrem a direcção, e isso acontece. Há também casos em que nos direccionam até determinados lugares para encontrarmos as peças que compõem os tinhlolos (conchas para adivinhação), um privilégio que, dificilmente, quem não tem vocação consegue ter”, afirma.
O orgulho de se tornar uma curandeirinha
                                            
Mércia Massingue é uma menina de 19 anos, solteira, residente em Gaza. É usuária activa das redes sociais. Lá marca o seu espaço, assumindo, com orgulho, o facto de se ter tornado médica tradicional aos 16 anos.
Sem fugir à generalidade, as lides escolares ficaram prejudicadas quando os seus espíritos levaram-na a apartar-se das carteiras, de forma a proceder a alguns ajustamentos. “Na altura, eu estudava na Escola Secundária de Lyonde, Chókwe, frequentava a 10ª classe”, e criava embaraços ao revelar, em pleno ambiente escolar, a vida dos seus colegas. “Falava do que lhes tinha acontecido nos dias anteriores ou do que lhes aconteceria no futuro. Tinha manifestações (de espírito) em plena aula….”.
Na sequência disso, os caminhos indicaram a sua entrada ao mundo da medicina tradicional. Ao chegar, recebeu um quite apropriado composto de capulanas e colares multicolores; cajados, lanças, txowas e outros materiais.
Mércia tornou-se, então, uma nova aluna neste mundo paranormal. “Comecei a aprender a função de cada artigo; dos medicamentos usados para tratar as pessoas; a interpretar os tinhlolos, a fembar e muitas outras coisas”. Num primeiro momento, não viu com bons olhos a guinada que a sua vida tinha dado, pois, “eu tinha os meus planos, queria estudar, formar-me em enfermagem”.
Mas, hoje, sente-se feliz com a nova realidade, até porque “já voltei à minha vida normal; não tenho mais ataques repentinos, desmaios ou outra qualquer complicação, uma vez que os espíritos já foram atendidos. Digo, com orgulho, que sou uma curandeirinha”, afirma. Entretanto, a médica tradicional de praticamente palmo e meio sonha em ter uma família: casar e ter dois filhos. Actualmente, namora e já pensa em regressar às salas de aulas para se formar como enfermeira, concretizando assim o sonho de infância. 
                                          
É um mundo bonito
Estas são palavras de uma professora, formada ao nível da licenciatura, cujo nome e área preferiu ocultar. Doravante, tratamo-la nesta matéria como Clementina, uma mulher madura, que, em primeiro lugar, defende que “não podemos fugir da nossa tradição; somos africanos. Mesmo quando vieram os colonos já tínhamos a nossa tradição. Até os casamentos eram tradicionais, típicos da nossa gente”.
Reservada e de convicções fortes, Clementina não se arrepende de ter respondido ao chamado dos seus antepassados. “É um mundo bonito. Tenho bonitas recordações do momento em que andávamos pelo mato, durante o curso, e cruzávamos com cobras e animais selvagens, sem que nada de perigoso nos acontecesse. Outro facto interessante é que num estado de transe, afirma-se que falo línguas que em condições normais desconheço. Muitas vezes, esta área é conotada com o diabo, mas não é assim. É uma realidade que faz parte de nós, da nossa identidade; o espírito não está na palhota, está em nós, entretanto, existem regras que devem ser seguidas para que a nossa vida corra de feição”.
E é precisamente sobre essa vida que a nossa reportagem se coloca em conversa com a professora. Falamos de um ambiente que, conforme aponta, é também feito de restrições, tanto na alimentação, como na forma de ser e de estar. Em alguns casos, o indivíduo vê-se obrigado a retirar da sua dieta certos alimentos: “pode ser peixe, carne de porco…dependendo da origem dos seus espíritos”. Mas, também, pode em algumas circunstâncias ingerir alguma bebida que, em condições normais, não faz parte das suas predilecções. De qualquer forma, são aspectos que nem de longe se comparam à fase difícil por que passou, na década de oitenta, quando surgiram as primeiras manifestações dos seus espíritos.
Na verdade, explica que, geralmente, tais fenómenos acontecem através de complicações de saúde ou azares na vida. “E tem também as visões estranhas, durante o sono. Aparece uma realidade que se concretiza no dia seguinte; fora os pressentimentos”, enumera.
Para ela, tudo se processa como se houvesse uma informação adiantada do futuro. Em algumas circunstâncias, “a gente olha para alguém e vislumbra um problema”. Foram alguns destes sinais que fizeram com que a sua vida desse uma grande volta.
Preocupados com o desconhecido e estranho, “marquei e frequentei consultas no hospital, com indicação para a neurologia. Eu sofria de insónia, cansaço; não conseguia concentrar-me para dar aulas”. Mas nada surtia efeito, daí que “chegaram a dar-me uma guia para o hospital psiquiátrico”, revela.
Enquanto isso, a vida seguia à medida do possível. Em 1994 concorreu e entrou para Universidade Eduardo Mondlane, mas o processo de Ensino e Aprendizagem não andou às mil maravilhas. Em 1996, veio um diagnóstico. Mediante algumas complicações, “achavam que eu andava a estudar demais. O médico deu-me o papel para parar”.
Mas os problemas de saúde só se agravaram. “Fiquei cega por uns meses; perdi peso excessivamente; fiquei sem trabalhar”. A família ficou mais preocupada ainda e recorreu à medicina tradicional, atropelando todas as suas convicções. Numa consulta, ficaram a saber que, afinal, Clementina fazia parte de uma família “descendente do espiritismo”.
Certo dia, enquanto a professora dormia, um sonho orientador trouxe a chave para a sua vida: “apareceu-me uma luz! No dia seguinte eu disse ao meu pai: ‘papá, vamos a um sítio!’. Ele tentou questionar sobre que lugar seria esse, mas não adiantou. Ao chegarmos, sem que eu tivesse estado lá antes e muito menos conhecido a senhora que nos recebeu, ela disse ‘eu já estava à sua espera’”.
Era uma médica tradicional. Mas, na verdade, esta apenas assumiu a função de tirá-la da doença, tendo ali ficado por 6 meses. Os dias subsequentes, que se somaram até fechar um ano e três meses, foram passados em casa de outra médica tradicional, onde cursou esta medicina. Hoje, leva a vida como quer. Aliás, após a sua formação na área tradicional, voltou a frequentar o seu curso superior, na UEM, tendo concluído na década de 2000.













domingo, 29 de julho de 2018

Vida e desespero nas “colónias” de Maputo
Texto: Pretilério Matsinhe
Foto: Carlos Uqueio


 Gabriel Sarmento (4 anos) e Hélio Júnior (5
anos) tentam aliviar-se da fome chutando latas e
pedras quando no horizonte paira a expectativa
de mães que esperam, impacientemente, pelo
regresso dos pais com alguma coisa para comer.
Os seus rostos, pálidos, parecem de dois
pássaros assustados e que não estão
acostumados a receber visita.
Popularmente se designa por “colónias”
ajuntamentos informais improvisados em ruínas
de edifícios abandonados. Nelas vivem pessoas
de todas as idades, incluindo famílias inteiras –
mãe, pai e filhos.
                                 
Gabriel e Hélio nasceram numa das “colónias”
localizadas em frente ao Cine África, na
Avenida 24 de Julho, nas “costas” do Mercado
do Povo, na cidade de Maputo, onde lixo, latas,
plásticos, garrafas e papéis disputam espaço
com humanos, num ambiente temperado por
águas negras, de cheiro nauseabundo.
Ali a fome tem presença constante. A comida,
quando existe, é confeccionada em latas. Tudo
está partido. Pratos, copos. Não existe carvão ou
lenha. Ramos de árvores dão uma ajudinha para
aquecimento do pouco alimento que aparece.
A Direcção do Género, Criança e Acção Social
da cidade de Maputo estima em mais de 30 as
“colónias” que acolhem mais de 200 crianças
que vivem nestas condições.
                                  
O DESESPERO DAS MULHERES
Grande parte das mulheres entrevistadas
enfatiza que teve bebés ali nos escombros,
vivendo no desespero de vê-las a crescer sem
futuro.
Marlene José, 34 anos de idade, é natural de
Xai-Xai, província de Gaza. Embora a memória
lhe traia sobre a data em que chegou a Maputo,
tem certeza que veio em busca de
oportunidades. Mãe de Gabriel Sarmento, de 4
anos, está grávida de sete meses.
Com uma lágrima a lhe espreitar nos olhos,
disse que depois do partoo seu desejo é levar as
crianças aGaza, para poderem conhecer a avó.
“Nunca visitei a minha mãe. Ela nem sabe
que tenho filho e agora estamos a tentar
juntar algum dinheiro para a compra de
roupas para a criança que virá ao mundo
daqui a dois meses.Depois, tentaremos ir a
Gaza, porque as coisas estão difíceis aqui”,
sublinha.
                                      
Bem ao lado, estava sentada Mónica Pedro, 20
anos, mãe de um filho e grávida de quatro
meses. “Tive a primeira gravidez e como já
não vivia com os meus pais, não quis dar
despesas aos meus tios. Saí para viver com o
meu marido e, infelizmente, é aqui onde ele se
encontra”,conta.
As mulheres sonhamem possuir casas onde
poderão residir com os seus filhos. “O desejo é
ter minha casa e abrir um negócio. Aqui
vendemos latas e ferro, mas não
rendemnada”, explica Beatriz Massingue, 31
anos, e mãe de Hélio Júnior.
                                    
Há cada vez mais menores a viver na rua
‒Maria Argentina Simão, directora do Género,
Criança e Acção Social da cidade de Maputo
Maria Argentina Simão disse que o número de
moradores de rua tende a crescer, traduzindo,
sobretudo, o drama de menores de idade.
Acrescentou que presentemente há um
movimento colaborativo entre os centros de
acolhimento de todos os distritos com o intuito
de se devolver as crianças ao convívio familiar.
Disse que há um trabalho que está a ser feito
junto aos centros de formação profissional, para
garantir uma formação aos jovens e adultos.
“Notamos que as crianças vão à procura de
melhores condições e acabam fazendo
alguma coisa, como lavar carros. Então, não
só pedem. Também reconhecemos que há
exploração de trabalho infantil, mas é uma
luta longe do fim”, enfatizou.
No que diz respeito às “colónias”, Simão
reconhece que não há um apoio directo às
famílias. “Se dissermos que damos comida, as
pessoas vão nos exigir e não estaríamos a ser
coerentes. Gostaríamos que canalizassem as
ajudas aos locais próprios”, apelou,
acrescentando que nos últimos três meses foram
tiradas da rua 65 crianças.
“O nosso desafio é pô-las de volta às suas
casas, porque elas todas saem de algum sítio.
Algumas dessas senhoras ficam na rua a
vender coisas, no final do dia não vão para
casa, dormem naqueles locais, mesmo
sabendo que são chefes de casa. O nosso
trabalho é sensibilizar”, concluiu.

sábado, 2 de junho de 2018

Deixem as flores espalharem o seu perfume






Carol Banze
Fotos de Carlos Uqueio

As andorinhas sobrevoam os céus a cada Junho, exibem tonalidades divertidas e espalham o perfume das flores na celebração do dia da criança.
Ahhhh…que brilho, que sol, que alegria, que fragrância exalada da pele fina destas criaturinhas cheias de graça, que se demarcam pela candura e vozes encantadoras, fruto da sabedoria da mãe natureza, que cria as suas gentes à medida e ao peso perfeito e determina o curso das coisas.
Mas os trilhos por si traçados seguem por vezes uma dinâmica tortuosa e desobediente, realidade comprovada pelo olhar atento do fotojornalista Carlos Uqueio, que de Mutarara, vila de Nhamayabué, na província de Tete, desenha, ao mais fiel traço, um quadro intrigante que aqui se avista em forma de imagens, em que as andorinhas vêem o seu espaço esbulhado e desvirtuado pela dinâmica fatigante do dia-a-dia.
De corpos cobertos de panos com motivos coloridos, agarradas às enxadas e exibindo passos vigorosos, as crianças desta terra encarnam a pele de querubim, percorrem longas distâncias e trabalham à medida dos adultos; trocam o livro pela enxada; cultivam a terra em prejuízo do intelecto, e com uma sabedoria inexplicável, disfarçam o sofrimento exibindo sorrisos e olhares de esperança.
Ainda assim, a voz destes seres amorosos e delicados soa a um tom baixo e desarmonioso; as cores alegres que acompanham a sua essência se desvanecem, contrariando a mãe natureza, dona da sabedoria e da medida das coisas.
Contemplando esta tela tão sem graça, surge-nos a vontade de refazê-la a um breve trecho, retratando, sem lhe apontar algum defeito, um novo quotidiano que a todos envaideça.
Viva o 1 de Junho!

Fotos de Carlos Uqueio



Olhares
CARLOS UQUEIO

Contrastes?!!
O preconceito é o analfabetismo da alma. Sim. Haverá alguma coisa que faça mais mal ao homem do que o preconceito? Provavelmente não... ou se calhar a falta de respeito. De qualquer forma, o preconceito é tão impiedoso que obriga os Homens a viverem, não como gostariam, mas sim como se lhes impõe.
A sociedade é tão cheia de preconceitos que, bastas vezes, surgem como regras para promoverem a boa convivência. Grande logro.
Olhemos atentamente para as imagens captadas pelo “olhar de lince” do foto-jornalista CARLOS UQUEIO. Sugerem-nos, logo de primeira, algo não comum. Uma “inversão de papéis”, aos olhos de uns, mas gestos de amor, aos olhos de outros. De qualquer modo, há uma certa beleza nesse gesto simples de “nenecar” uma criança ou transportar uma lata de água à cabeça, gestos erroneamente associados à mulher.





Quando um homem faz algo que, por mera herança, acredita-se que está reservado à mulher, ele quabra paredes e estabelece novos paradigmas existenciais. Não há melhor coisa no mundo do que o respeito. Ser respeitado, elogiado, ser ouvido. É fantastico isso. Tira-nos das masmorras da mesmice e dos lugares comuns. Eleva-nos como homens que fazem parte desta cadeia que só tem valor porque recheada de “CONTRASTES”.
O respeito pelo outro, pelo diferente, é como uma forma de educação, você a respeita, pois a admira. E o respeito é muito simples de se conseguir: Basta ter uma postura "firme", correcta, e mostrar que você tem plena consciência dos actos. Mostre que você uma pessoa educada, que respeita os outros, seja uma pessoa que sê dê ao respeito. Respeito é uma coisa que devemos receber e dar a todos. Aliás, a humildade é algo que valoriza muito o ser, também o humor nas horas correctas e a seriedade com quem não gosta de humor.
Já o preconceito é uma asneira total.
CARLOS UQUEIO, com este registo, lembra-nos que a humanidade é feita dessas pequenas diferenças que longe de nos separarem, devem unir-nos. Somos pessoas... porque somos diferentes!

B.Adamugy

quarta-feira, 7 de março de 2018


Niassa: Um destino, uma esperança

 

Texto de Carol Banze

Imagens: Carlos Uqueio

Os destinos têm o condão de cunhar impressões. Podem ser boas ou más. Mas podem ser também diferentes, uma designação especialmente litografada para lugares especiais, cuja sensação que deixam é boa e ao mesmo tempo assim-assim.
Niassa, desportivamente apelidado de pedaço esquecido do vasto Moçambique, situado no extremo noroeste do país, é a maior província com uma área de 129 056  Km², mas, a menos povoada, com 1 865 976 habitantes, de acordo com os resultados preliminares do censo de 2017.
É esta terra que, contra toda negatividade, responde à altura dos seus desafectos e faz a devida revanche, exibindo maravilhas nunca vistas no universo. O Lago Niassa, localizado no Vale do Rift entre o Malawi, a Tanzânia e Moçambique, faz primorosamente a vez para obstar a revés.
Ele exibe-se sem modéstia ao comprido dos seus 560 km, alarga pelas suas costuras laterais e elegantes generosos 80 km e leva até uma profundidade máxima de 700 metros.
A sua idade é estimada entre um e dois milhões de anos e um nível de água variável, de acordo com as estações do ano. Mas é a sua vista que ensoberbece a vontade da natureza; ultrapassa a sapiência e mitiga a carência atribuída à gigante Niassa, onde o povo caminha de forma periclitante de um lugar para o outro, atravessando atalhos, estradas, rios, montes…
Este é o lugar das carências, onde estender a mão a outrem, jornadear de um lugar para o outro, em alguns casos, subordina-se à generosidade da mãe natureza.
Localidades como Chiuanga e Messumba aparecem-nos aos olhos como exemplos ilustrativos. O rio Lunho, que se posiciona serpenteando as areias que liga povos, culturas, amores e, à mesma medida, afasta os desamores. Serve de recanto das lendas e mitos geralmente incubadas e adormecidas debaixo das águas. Mas é também o lugar dos encantos, o leito da beleza.
Rostos e semblantes expectantes, ávidos de abraçar o porvir, são exibidos através da nganda, uma dança majestosamente dançada pela sua gente.
Seus dançarinos, enformados e aprumados em conjuntos especiais de cor alva, que fazem o contraste com a cor da sua pele, exibem um porte à altura da sua manifestação cultural, com gestos elegantes, refinados e rimados.
Mas é a terra firme que cimenta a querença de plantar e colher as macadâmias e outras culturas mais; que materializa a ânsia pela abundância material e intelectual.
É o rosto do pequeno pastorinho que denuncia o desejo dos seus pares; denota a mestria na sua lida e querença de comutar a manada pela máquina; a palha pela alvenaria.  

É este o destino fotografado com esmero pelo foto-jornalista Carlos Uqueio, que revela as maravilhas da gigante e inobservada província do Niassa.




















quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Addis Ababa
pelo click de Uqueio
A Etiópia, oficialmente República Democrática Federal da Etiópia, é um país encravado no corno do nosso continente, sendo um dos mais antigos do mundo. É a segunda nação mais populosa de África e a décima maior em área. Faz fronteira com o Sudão e com o Sudão do Sul a Oeste, com o Djibuti e Eritreia a Norte, com a Somália a Leste e o Quénia a Sul. A sua capital é Addis Ababa.
Considerando que a maioria dos estados africanos tem menos de um século de idade, a Etiópia foi um país independente continuadamente desde tempos passados. Um estado monárquico que ocupou a maioria da sua história, a Dinastia Etíope tem as suas raízes no século X a.c. Quando o continente africano foi dividido entre as potências europeias na Conferência de Berlim, a Etiópia foi um dos dois países que mantiveram a sua independência. A nação foi uma dos três membros africanos da Liga das Nações, e após um breve período de ocupação italiana, o país tornou-se membro das Nações Unidas. 
Quando as outras nações africanas ascenderam à independência após a Segunda Guerra Mundial, muitas delas adoptaram as cores da bandeira da Etiópia, e Addis Ababa tornou-se a sede de várias organizações internacionais focadas na África. Em 1974, a dinastia, liderada por Hailé Selassie, foi deposta. Desde então, a Etiópia é um estado secular com variação nos sistemas governamentais. Hoje, Addis Ababa ainda é sede da União Africana e da Comissão Económica das Nações Unidas para África. O nosso colega de imagem Carlos Uqueio esteve em Addis Ababa e captou o pulsar da capital.
Texto: Andre Matola








Toma conselhos com o vinho
mas toma decisões com a água
Texto de: Belmiro Adamugy
Fotos: Charles Uqueio
Os anseios humanos são infindáveis. São como a sede de um homem que bebe água salgada. Não se satisfaz e a sua sede apenas aumenta. Daí a importância da água potável. Água que às vezes rareia. Água que faz tanta falta como o pão à boca de uma criança esfaimada… é como diz a sabedoria popular, só percebemos o valor da água depois que a fonte seca. 
O nosso colega de imagem nem precisou passar pelo mesmo tormento e ainda assim se compadeceu do sofrimento alheio. Sofrimento que, deve ser visto a duas velocidades… sim porque há o sofrimento da falta de água e há o tormento de quem a tem mas é obrigada a carrega-la a cabeça. E é interessante notar – pelas imagens – como a alegria de ter alguns litros de água, elimina todo e qualquer resquício de padecimento. Há como um renascer em cada gota conseguida.
Os furos de água, aqui e ali, têm, para além de matarem a sede, esse condão social de juntar várias almas num lugar e, por via disso, servirem de descarregador de outras tantas mazelas distribuídas pela vida. Nos fontanários dissipam-se “nuvens negras” nos lares, aprendem-se novas estratégias de sobrevivência e até novas receitas para agradar as famílias. Ali também são denunciados os que andam “desviados” dos caminhos da rectidão. As crianças conhecem e fazem novos amigos e os mais velhos desabafam as amarguras da vida. 
Há, como que um brotar de novas vidas…
Não foi por acaso que tomamos a frase de Benjamim Franklin para titular o texto; é que a importância da água transcende a simples utilidade de matar a sede, cozinhar, lavar a roupa ou tomar banho. A água serve também para limpar a alma conspurcada pelas mazelas diárias da vida. Há momentos em que a água, mais do que o vinho – e que nos perdoe Baco – serve mais para animar e fazer ressurgir o que há de melhor no ser humano!