A comunidade e o pós-violência
Texto de Carlos Uqueio, publicado no jornal domingo, 26/01/2025
Como repórter, já estive em lugares marcados pela destruição. Meu trabalho é registar imagens e histórias para mostrar o impacto que os momentos de crise deixam na sociedade. Mesmo assim, visitar os locais destruídos pelas manifestações violentas, após o anúncio dos resultados eleitorais em Dezembro, marcou a minha jornada de forma profunda. Não foram apenas as cenas de caos e desordem, mas o que elas representam para nossa sociedade.
A destruição foi grande. Ao longo da Estrada Circular de Maputo, em bairros como Nkobe e Machava-sede, Bunhiça, entre outros, era impossível ignorar os rastos de destruição. Lojas saqueadas, restaurantes incendiados e até postos policiais reduzidos a cinzas. Mas o impacto não está só no que vemos. O que está por trás dessas imagens é ainda mais preocupante: a forma como essas acções afectam o equilíbrio e a convivência entre as pessoas.
Os prejuízos não foram apenas materiais. Empresários perderam seus negócios, muitos trabalhadores ficaram sem emprego e, pior, a sensação de segurança foi abalada. Quando postos policiais que simbolizam a ordem e protecção são destruídos, a mensagem que fica é a de que nem mesmo as instituições básicas estão a salvo. Isso me faz questionar: como recomeçar neste clima?
Os dias que se seguiram às manifestações foram marcados por um silêncio inquietante. Não era o silêncio de alívio, mas de incerteza e desespero. As pessoas estão perdidas, sem saber o que esperar. A falta de oportunidades aumenta e o futuro parece cada vez mais distante.
Nas redes sociais e nas ruas, além das perguntas difíceis como “Para onde vamos?” e “Como reconstruir o que foi destruído?”, muitos ainda tentam encontrar uma chance de recomeçar. É comum ver pessoas a divulgarem seus currículos, pedindo por qualquer tipo de trabalho, mesmo que seja para varrer um quintal ou lavar louça. No entanto, com tantos empresários afectados pela crise, as contratações tornaram-se raras e a esperança de dias melhores parece cada vez mais frágil.
Além dos danos materiais, o impacto mais forte foi na confiança. A violência não afectou apenas os negócios, mas também as relações entre as pessoas. Quando algo assim acontece, todos olham uns para os outros com desconfiança. Isso é ainda mais difícil de reconstruir do que os prédios e as lojas destruídas.
Apesar disso, existe uma resposta que nos dá esperança. Em várias áreas atingidas, a população está a mobilizar-se. Mesmo sem muitos recursos, comunidades estão a reconstruir postos policiais e a tentar organizar os bairros novamente. Esses esforços mostram algo muito importante: a força da união. Quando as pessoas se juntam, conseguem enfrentar até as situações mais difíceis.
Mas é preciso ir além. Afinal, reconstruir prédios e fachadas é importante, mas o desafio verdadeiro é reconstruir o que não se vê: o sentimento de confiança e de pertença. Isso exige um esforço colectivo. Precisamos de pensar no que nos trouxe a esse ponto e encontrar formas de evitar que algo assim aconteça novamente.
Como sociedade, estamos em um momento crucial. Se aprendermos com a dor e a destruição, poderemos construir algo mais forte e mais justo. No entanto, se ignorarmos o que aconteceu, corremos o risco de repetir os mesmos erros. Precisamos de nos unir para não deixar que a violência nos defina, mas sim a nossa capacidade de superação.
As respostas não são simples, mas o caminho começa com pequenas acções. Ao reconstruir as relações, podemos transformar essa tragédia em uma aprendizagem. O que restará das cinzas não será apenas o que foi destruído, mas o que decidirmos construir juntos: um futuro melhor, com mais respeito, solidariedade e paz.