quinta-feira, 26 de junho de 2025

                          FUNCHO


O homem por trás da
lente da independência
Fotos: #joaocosta
Publicado no Jornal Domingo 22/06/2025
Ao celebrarmos os 50 anos da independência de Moçambique, é imprescindível olhar para as imagens que, ao longo dessas cinco décadas, ajudaram a contar a história de um país em transformação. Poucos nomes são tão emblemáticos nesse registo visual como o de João Costa, conhecido simplesmente como ‘’Funcho’’. Sua lente não apenas capturou momentos decisivos da história moçambicana, mas também reflectiu as emoções, as lutas e as esperanças de um povo. Este é um olhar que vai além da técnica fotográfica: é um verdadeiro testemunho da alma de uma nação. Mas, afinal, quem é o homem por trás das lentes?
“Fora da fotografia e fora das lentes… é difícil responder. Sou fotógrafo, isso é certo, sou uma referência para muitos, mas sinto medo do que ainda devo fazer mais,” confessa ‘’Funcho’’, com a humildade dos grandes mestres.
Nascido em Viana do Castelo, Portugal, em 1951, Funcho chegou a Moçambique ainda bebé, com apenas seis meses de vida. O solo de Nampula, onde cresceu até os 14 anos, foi seu primeiro chão, onde pisou nos braços da mãe. Em seguida, mudou-se para então Lourenço Marques, onde começaria a moldar seu destino.
Estudante da universidade Lourenço Marques, iniciou na engenharia, mas o 25 de Abril e as mudanças do mundo o desviaram para o seu verdadeiro chamado: a fotografia.
“Minha paixão pela imagem começou com meu pai. Ele tinha uma máquina fotográfica que eu respeitava e, ainda criança, já tentava registar momentos com ela. Mas foi na universidade, trabalhando na associação académica, que comecei a levar a fotografia a sério,” lembra.
A primeira câmara profissional veio de uma surpresa do avô, que vivia no Japão. Era uma Nikon que marcaria o início de uma trajectória longa e dedicada. Funcho conta que trabalhou como fotógrafo na Faculdade de Medicina da Universidade de Lourenço Marques, produzindo imagens para pesquisas médicas e aulas, enquanto ainda era estudante.
Foi também repórter fotográfico para o jornal A Voz de Moçambique, da Associação dos Naturais, antes de seguir para o Jornal Notícias em 1974, ano em que a liberdade começava a despontar.
“Fui enviado para a Tanzânia para acompanhar a viagem do presidente Samora Machel, pouco antes da independência, em 1975. Estive presente na proclamação da independência no Estádio da Machava, capturando a alegria das pessoas naquele momento histórico,” conta Funcho.
Mas a fotografia, para ele, nunca foi só trabalho. Era paixão, era sustento, era vida. Mesmo diante da pouca valorização e dos meios escassos, quando os jornais publicavam imagens escuras, sem contraste e de baixa qualidade, ‘’Funcho’’ nunca abandonou a câmara.
“A fotografia não enriquece, mas dá vida. É o que me permitiu seguir em frente,” diz com um sorriso que carrega a marca do esforço.
No Instituto Nacional de Cinema, onde ingressou em 1977, continuou a aprimorar seu olhar, mesclando cinema e fotografia. Mas sempre fotografou, sobretudo a política e as figuras que moldaram a história moçambicana.
Fotografou Samora, Chissano, Mandela, Nyerere, Agostinho Neto, entre outros. Relembra, com poesia e realismo, as dificuldades e os desafios de ser fotógrafo em tempos de mudanças profundas: “Ser fotógrafo não era fácil. Não éramos levados a sério; éramos o segundo plano. E até hoje, essa luta continua. A mentalidade sobre a fotografia precisa mudar,” reflecte.
Ele também denuncia as restrições e o preconceito ainda presentes, quando fotografar parece algo proibido, vigiado, controlado. E denuncia a visão do fotógrafo como alguém que só busca dinheiro:
“Quando as pessoas veem a câmera, pensam logo em dinheiro. Mas é mais do que isso. É uma forma de contar histórias, de eternizar momentos,” afirma.
Funcho não hesita em lembrar o papel das imagens que capturou, não só de presidentes, mas de uma nação inteira em transformação, e conclui com um olhar firme, repleto de sensibilidade:
Ao revisitar as imagens de Funcho, percebemos que sua obra é mais do que um simples acervo fotográfico; é um arquivo vivo da memória colectiva moçambicana. Por meio de seu olhar atento e sensível, ele conseguiu eternizar a essência de um povo, suas vitórias, seus desafios e suas esperanças. Em tempos de rápidas transformações, o legado de Funcho nos lembra que a fotografia é, acima de tudo, um poderoso instrumento de preservação histórica e cultural. Ele não é apenas o homem por trás das lentes, mas um verdadeiro guardião da identidade moçambicana, alguém cuja paixão e compromisso com a imagem continuam a inspirar novas gerações.
Fotojornalista defende que a mentalidade sobre a fotografia deve mudar.























sábado, 21 de junho de 2025

 Deixem-me Fotografar!

Por Carlos Uqueio

Ser repórter fotográfico em Moçambique é, muitas vezes, um caminho solitário e cheio de obstáculos. Desde o início da minha carreira, tenho percorrido ruas, becos, mercados, bairros e praças com o objectivo de registar a vida como ela realmente é. Com a minha câmara, tento contar histórias do nosso povo. Histórias que não aparecem nas manchetes, mas que dizem muito sobre quem somos enquanto nação. Tento mostrar a alegria, a dor silenciosa, as conquistas invisíveis e as desigualdades que gritam em silêncio. No entanto, fazer este trabalho tornou-se, cada vez mais, uma luta constante.

Frequentemente, ao fotografar em locais públicos, sou abordado por pessoas com um  olhar assustador e palavras duras. Há quem pense que estou a invadir a privacidade dos outros ou a tirar proveito de suas imagens. Já me acusaram de estar a lucrar às custas da dor alheia, perguntando: “Vais vender a minha foto, não é?” ou exigindo que eu pague para fazer uma simples fotografia num espaço que pertence a todos. Já me disseram claramente que só poderia continuar a fotografar se deixasse algum valor, como se as ruas e praças fossem propriedade privada.

Essas situações revelam dois problemas graves. O primeiro é a falta de conhecimento sobre o papel do fotógrafo jornalístico na sociedade. O segundo é o crescimento de um ambiente hostil, de medo e agressividade, contra quem tenta mostrar a realidade do país através da imagem. E quando o medo fala mais alto que a empatia, perdemos todos. Porque uma sociedade que desconfia dos seus próprios contadores de histórias acaba por viver com os olhos fechados para a sua própria realidade.

O repórter fotográfico não é um intruso. Não é um ladrão de imagens, nem um espião da dor alheia. É um profissional que escolheu servir a verdade através do olhar. Com a câmara, procuramos documentar o que acontece no presente para que não se apague no futuro. Registamos momentos que, por vezes, ninguém quer ver, mas que são fundamentais para que se pense, se mude e se avance.

É essencial lembrar que os espaços públicos são de uso colectivo. Fotografar numa rua, num mercado, numa praça ou num transporte não deveria ser um acto proibido ou suspeito. Claro que é importante agir com ética e respeito. Quando se trata de retratos mais próximos, de rostos e expressões, o diálogo é necessário. A sensibilidade é parte do nosso trabalho. Mas ameaçar um fotógrafo, exigir dinheiro ou impedi-lo de trabalhar apenas por estar a cumprir a sua missão é uma forma de violência simbólica. E essa violência precisa ser discutida.

O que falta é educação cívica, visual e cultural sobre o valor da fotografia no jornalismo e no processo democrático. Muitas pessoas ainda não compreendem que a presença de um repórter fotográfico pode significar visibilidade para problemas esquecidos, reconhecimento para lutas locais, valorização de culturas e tradições. O repórter fotográfico é  um aliado importante na construção de uma sociedade mais justa e informada.

Quantas imagens, ao longo da história, mudaram leis, acordaram consciências e provocaram lágrimas sinceras? Quantas fotografias fizeram o mundo parar e olhar para aquilo que estava a ser ignorado? Muitas dessas imagens só existem porque alguém teve a coragem de estar presente com uma câmara na mão, mesmo sendo insultado, expulso ou ameaçado. E esse alguém podia ser eu. E tantas vezes, é mesmo.

Por isso, escrevo este apelo com o coração e a responsabilidade de quem acredita na força do que faz. Deixem-me fotografar. Respeitem o meu trabalho, mesmo que não o compreendam totalmente. Não me silenciem com desconfiança nem me afastem com intimidações. A câmara que levo comigo é muito mais que um equipamento: é uma extensão do meu compromisso com a verdade, com a história e com as vozes que precisam ser ouvidas.

Respeitar o repórter fotográfico é respeitar a verdade.

 

sexta-feira, 23 de maio de 2025

 Um “demónio” chamado: AVIATOR


Por: Carlos Uqueio

Numa era em que tudo cabe na palma da mão, da amizade à fé, do trabalho ao prazer, o vício também encontrou abrigo ali. O jogo de azar, que antes exigia portas pesadas de casinos e noites escondidas entre copos e fumaça de charrutos, agora se apresenta polido, colorido e sedutor nos nossos próprios telefones. E entre esses jogos, há um nome que tem feito estragos profundos em silêncio: Aviator.

Pode parecer apenas mais um aplicativo. Um avião que sobe e, quanto mais sobe, mais dinheiro promete ao apostador. A ilusão é simples: se clicar para "sacar" antes que ele caia, o jogador lucra. Mas se errar o tempo, perde tudo. Um jogo de reflexo, dirão alguns. Um passatempo. Mas quem já caiu nessa pista sabe que o Aviator não é jogo, é vício travestido de distração, um plano bem desenhado para aprisionar.

Conheci essa tragédia de perto. Um amigo meu, empreendedor humilde, montou um pequeno bar na zona. Contratou uma funcionária que parecia promissora. Para proteger o lucro diário, colocou um cofre e confiou a ela a tarefa de guardar o dinheiro ao fim de cada dia. Com boa-fé, atendeu ao pedido da empregada: que não aparecesse com frequência, pois ela queria lhe “surpreender” com altos lucros. O patrão acreditou. O tempo passou. E então, um dia, ele decidiu visitar o bar.

A cena que encontrou parecia saída de um filme de horror: prateleiras vazias, geleiras sem bebidas, o cofre arrombado, e a única coisa cheia era a vergonha no rosto da colaboradora. Ela, aos prantos, confessou:
“Boss, me perdoa... usei o dinheiro do bar para jogar Aviator. Fiquei viciada, achei que ia ganhar tudo de volta, mas, perdi.”

O prejuízo era maior do que o esperado. Todo o lucro acumulado tinha desaparecido. Não havia mais capital para repor o stock, pagar os fornecedores, cobrir as dívidas e reerguer a estrutura. Em poucas semanas, o negócio que levou anos para ser erguido teve de fechar as portas. O bar faliu. Literalmente. E não por falta de clientes ou má gestão, mas por causa de um jogo que, sorrateiramente, consumiu tudo.

Essa não é uma história rara. É uma epidemia digital silenciosa. O Aviator e seus semelhantes exploram o desejo humano pelo ganho fácil, pela sorte, pela superação das dificuldades financeiras num piscar de olhos. Mas não passam de armadilhas. Jogar parece simples. Começa com 100 meticais, depois 500, depois 1.000. E quando se dá por conta, não foi só o dinheiro que se perdeu: foi a paz, a sanidade, a confiança de alguém, o emprego, a dignidade e, como neste caso, o negócio inteiro.

Não se trata apenas de condenar o jogo. Trata-se de entender o mecanismo perverso por trás dele. O Aviator não premia estratégia. Ele manipula emoções. Alimenta a esperança e o desespero num mesmo clique. Cada rodada perdida carrega a promessa de que a próxima será a da sorte. É um ciclo vicioso, e como todo vício, ele começa pequeno, sedutor, e termina grande, devastador.

O problema, porém, não é só individual. É colectivo. Falta educação financeira nas escolas. Falta diálogo nas famílias sobre o perigo do lucro fácil. E sobra silêncio. O silêncio da vergonha de quem perdeu tudo, o silêncio de quem tem medo de admitir que está preso, o silêncio de uma sociedade que normaliza o vício.

É urgente educar. Precisamos ensinar aos jovens e também aos adultos que não existe riqueza sem trabalho. Que o dinheiro fácil, muitas vezes, cobra caro. Que toda aposta tem dois lados, e quase sempre quem ganha é a plataforma, não o jogador. Precisamos falar sobre controle o emocional, autocontrole, sobre a importância de pedir ajuda antes que seja tarde.

E, acima de tudo, precisamos resgatar a confiança nas formas honestas de crescimento. Trabalhar, poupar, investir com sabedoria, aprender a empreender. O jogo pode parecer uma solução rápida, mas é uma armadilha lenta. E o Aviator não leva ninguém para o céu, ele só ensina a cair, e cada queda é mais dolorosa que a anterior.

Se você está lendo este texto e conhece alguém que está a jogar demais, não o julgue. Converse. Oriente. Mostre que o buraco é real, mas que também é possível sair dele. Se você mesmo está preso nesse ciclo, entenda: pedir ajuda não é fraqueza, é o primeiro acto de liberdade.

O Aviator pode até decolar rápido, mas o pouso, quase sempre, é em ruínas. E nenhum sonho merece ser trocado por uma ilusão que termina em falência.

 

segunda-feira, 12 de maio de 2025

            Estátua de carne, alma de prata

Publicado no Jornal Domingo 11/05/2025
Em cada avenida da cidade de Maputo, há quem anda sempre apressado. carros “fast and furious”, vozes em alta frequência, corpos a correr atrás do sustento, do sonho, da sobrevivência. Mas no meio dessa coreografia urbana que não cessa, uma figura resiste ao movimento. Com os pés plantados na calçada e o olhar fixo no infinito, uma jovem mulher quebra todas as regras da pressa que caracteriza o quotidiano actual.
Ela está parada. E é exactamente por isso que se torna impossível não notá-la.
Seu nome é Misé Amarchande, tem 26 anos, vive no bairro de Infulene, zona da Manduca, no município da Matola. Encontrou na imobilidade uma forma de expressão. No meio do caos, ela é o silêncio que fala, a estátua viva que emociona. A sua arte não se aprende em manuais: nasce do peito, atravessa o corpo e se impõe no espaço público como um grito silencioso.
“Sou ousada, atrevida, não tenho medo de arriscar”, afirma, com uma convicção que não cabe em molduras.
Antes de vestir-se de prata para as ruas, Misé já tinha trilhado outros palcos. Modelo, actriz e mestre de cerimónias. A jovem sempre foi uma intérprete da vida. Mas foi no silêncio absoluto da performance estática que ela encontrou o seu verdadeiro palco. Após quatro anos longe das performances como estátua humana, decidiu voltar. A inspiração veio de uma inquietação pessoal: ela via homens a dominarem as ruas com esse tipo de performance, mas sentia falta da presença feminina.
“Fizemos dois dias de testes com o ‘Jovem Puro’, meu parceiro nesta jornada. E percebi que ainda tinha o equilíbrio, a concentração, o fôlego. Então voltei”, recorda.
Voltou com força. Não apenas com presença física, mas com uma energia que atravessa o cimento e alcança o coração dos que passam. E se para alguns ela é um detalhe estranho na paisagem, para outros é arte pura, coragem em estado sólido.
Ficar imóvel durante três horas seguidas, sem pestanejar, é mais do que resistência física, é um estado espiritual. Misé não apenas se cala: ela convoca silêncios.
O mais surpreendente é que ela nunca fez um curso específico. “O equilíbrio vem de mim mesma, do amor pela arte. Não aprendi isso com ninguém. É algo que me atravessa.”
Desafia o cansaço, o calor, a humidade e até à chuva. “Já actuei duas vezes debaixo de chuva. É o amor que me dá estabilidade. Mesmo quando tudo parece contra, o coração está firme”.
Há algo profundamente revolucionário em ver uma mulher ocupar, com tanta presença, o espaço público por meio do silêncio. Num país e num continente onde o corpo feminino tantas vezes é silenciado à força, Misé opta por silenciar-se voluntariamente, transformando esse gesto num acto de poder.
“As pessoas não acreditam que sou mulher. Dizem que esse é um trabalho pesado, que é coisa de homem. Mas isso só me dá mais força. Gosto de mostrar que podemos tudo.”
E pode mesmo. O público, principalmente as mulheres, aplaudem de coração. “O carinho das mulheres é especial. Saber que estou a inspirar outras mulheres, que elas se sentem representadas por mim, é uma das minhas maiores vitórias”.
A jornada de Misé começa quando o dia ainda está em silêncio. Acorda às quatro da manhã. Às cinco e meia, já está a caminho do ponto de encontro com o seu colega, “Jovem Puro”. Às seis, está em posição. Escolhe os lugares com cuidado: ruas movimentadas, praças com gente, cruzamentos onde a vida urbana acontece.
No palco improvisado de cimento e buzinas, ela assume a sua pose. E ali permanece. Enquanto tudo gira à sua volta, ela firma-se como farol.
A avó, curiosa e carinhosa, espera sempre que Misé chegue para ver as fotos do dia. A família não apenas aceita: acredita no seu caminho. É com eles que encontra o seu equilíbrio emocional.
Apesar de ainda não ser casada nem ter filhos, ela diz ter um lar cheio de amor e incentivo. “Toda a minha família acredita que vou longe com isto. E eu também acredito”.
Nas ruas, Misé convive com extremos. Há quem se encante, quem sorria, quem agradeça. Crianças que tentam imitá-la. Senhoras idosas que pedem uma foto, emocionadas. Olhares que se derretem em admiração.
Mas há também o outro lado. A ignorância, o preconceito. Homens que gritam das janelas dos carros: “Vai trabalhar, sua preguiçosa!”
“As pessoas não sabem o quanto é difícil manter-se imóvel por horas. Acham que estou ali a fazer nada. Mas tudo bem. Eu sei o que estou a fazer. E isso basta”.
Mesmo quando não responde a ninguém, mesmo quando não se move, Misé leva essas histórias para casa. Guarda os sorrisos, transforma os insultos em força.
Ela não se explica: ela existe. E isso já é bastante.
O seu sonho é internacionalizar-se. Mostrar ao mundo que Moçambique não é apenas terra de luta e sol escaldante, mas também berço de arte viva.
“Quero que o mundo veja que nós, moçambicanos, também podemos. Que também temos arte. Que também temos voz. Mesmo quando ela é muda”.
Nas ruas de Maputo, há uma mulher que permanece de pé. Não por teimosia, mas por fé. Fé em si mesma, na arte, e no poder de tocar corações com o corpo imóvel e a alma em chamas.
“Se tens um sonho, não esperes por apoio. Sê a tua própria iniciativa, sê a tua luz. Só nós podemos fazer por nós mesmos. E, quando fizeres por ti, os outros vão reconhecer e valorizar-te”.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

 Vestem-se de desleixo, mas querem o reconhecimento!

Por Carlos Uqueio

Num país onde se clama diariamente por profissionalismo, ética e responsabilidade no exercício do jornalismo, é surpreendente e profundamente decepcionante, constatar que, dentro das próprias redacções, ainda haja quem transforme o zelo pela boa apresentação num motivo de zombaria ou exclusão. Não é raro ouvir frases como “Haaaa, porque ele está bem vestido...” seguidas de um desdém disfarçado, cada vez que sou escalado para cobrir actividades na Presidência da República ou em outras instituições de Estado.

A verdade é simples, ainda que desconfortável para alguns: o jornalismo institucional exige mais do que conhecimento técnico. Requer postura, respeito pelo protocolo, sensibilidade ao ambiente e, sim, uma apresentação condigna. Não se trata de vaidade. Trata-se de compreender que, ao atravessar os portões de um órgão de soberania, o repórter não representa apenas a si mesmo, mas sim representa o órgão de comunicação para o qual trabalha, a profissão que exerce e, em última instância, a imagem do jornalismo nacional.

Lamentavelmente, o que se verifica na prática é o oposto. Muitos colegas rejeitam, com leviandade, tarefas que exigem presença institucional. Fogem a responsabilidades sob pretextos frágeis ou entregam-se a um desleixo que não se coaduna com a nobreza da profissão. Quando escalados para a Presidência, há quem torça o nariz, invente desculpas ou, no limite, insinue que quem aceita essas missões está apenas a “querer aparecer”.

Ora, não deveria ser assim. O compromisso com a profissão exige que estejamos sempre prontos, com rigor, disciplina e brio profissional. Quem se recusa a cumprir esse dever, por comodismo ou por preconceito contra o “estar bem vestido”, abdica do essencial: a responsabilidade de servir o público com dignidade e respeito pelas instituições do Estado.

A frustração torna-se ainda maior quando o esforço e a dedicação não são reconhecidos, ou pior, são punidos com exclusão. Sim, quando aparecem oportunidades de formação, bolsas, viagens ou reconhecimento institucional, muitas vezes aqueles que demonstraram responsabilidade e respeito pelas normas são deixados de fora. E porquê? Porque os “bem vestidos” incomodam. Porque o profissionalismo é visto, paradoxalmente, como uma ameaça e não como um exemplo a seguir.

É chegada a hora de rompermos com essa cultura do facilitismo e da mediocridade. Precisamos de uma geração de jornalistas que se orgulhem de cumprir as suas funções com excelência, que entendam que estar bem apresentado não é um capricho, mas  um acto de respeito por si mesmos, pelo ofício e pelos cidadãos que informam.

Num tempo em que o jornalismo precisa urgentemente de recuperar a sua credibilidade, não podemos continuar a compactuar com atitudes que desvalorizam a nossa imagem pública. A cobertura de actos presidenciais e outros eventos protocolares não pode ser encarada como uma “chatice” ou uma “desculpa para se vestir bem”. É, antes de tudo, um serviço de elevada responsabilidade, onde se exige profissionalismo total, da fala ao trajar.

Não posso aceitar ser sacrificado por me apresentar de forma digna. E recuso qualquer tentativa de transformar o profissionalismo em pecado. Sejamos, portanto, firmes. Que cada jornalista olhe para o espelho antes de sair de casa e se pergunte: estou pronto para representar condignamente a minha profissão?

Porque, no fim, vestir-se bem é apenas o reflexo exterior de uma ética interior que muitos ainda não se dispuseram a cultivar.

 

terça-feira, 29 de abril de 2025

 Carlos Uqueio conquista o seu espaço na Imprensa Internacional

Tudo começou com uma simples chamada telefónica, mas que mudaria o rumo da minha carreira. No final de setembro de 2024, o respeitado jornalista e correspondente internacional Charles Mangwiro entrou em contacto comigo com uma proposta desafiadora e instigante: um fotojornalista ligado à agência Associated Press (AP), baseada nos Estados Unidos, e com operações em Joanesburgo, África do Sul, estava à procura de um fotojornalista moçambicano com um portfólio sólido e experiência em coberturas de peso. A missão era clara: documentar o encerramento da campanha eleitoral em Maputo, o processo de votação, a divulgação dos resultados, a proclamação do vencedor e, por fim, a tomada de posse presidencial.

Esse fotojornalista era Dennis Farrell, que, após a recomendação de Charles, entrou em contacto comigo directamente da África do Sul. Mais tarde, tive o privilégio de colaborar com outros profissionais de renome da Associated Press, como Jerome Delay, Themba Hadebe e Gerald Imray. Posteriormente, também fui contactado por Sunday Alamba, da Nigéria, ampliando ainda mais a rede de profissionais com quem tive o prazer de trabalhar.

Sem hesitar, aceitei o desafio, movido pela paixão pela fotografia e pela oportunidade de colocar o meu trabalho diante de uma audiência global. Era o início de uma jornada que jamais imaginaria que teria tal repercussão.

As primeiras imagens foram publicadas pela The Associated Press (AP) Estados Unidos, uma das agências de notícias mais prestigiadas do mundo. De forma surpreendente e extremamente gratificante, o meu trabalho começou a ser replicado por alguns dos maiores veículos de comunicação internacionais. Fotos que eu mesmo captei ganharam espaço em:

The New York Times Estados Unidos

The Telegraph Reino Unido

The Wall Street Journal Estados Unidos

The Guardian Reino Unido
Link: https://www.theguardian.com/world/2024/oct/09/mozambique-ruling-party-likely-to-win-elections-despite-dissatisfied-youth]

The Washington Post Estados Unidos
Link: https://www.washingtonpost.com/world/2025/04/15/mozambique-protests-election-violence-amnesty-international/72f67ec6-1a45-11f0-9160-306c35f9b3a8_story.html]

Al Jazeera Qatar
Link: https://www.aljazeera.com/news/2024/12/23/mozambiques-controversial-election-result-upheld]

Correio da Manhã Portugal
Link: https://www.cmjornal.pt/mundo/detalhe/estado-mocambicano-perdeu-seis-milhoes-de-euros-devido-a-corrupcao-em-2024-segundo-dados-do-mp]

The Paris News Estados Unidos
Link: https://theparisnews.com/ap/national/photo-collection-best-of-vatican-obit-pope-francis-global-reaction-photo-collection/article_d8c4aa33-f241-534d-ba86-59b396e750f2.html]

RFI (Radio France Internationale) França
[Link: https://www.rfi.fr/en/africa/20241224-mozambique-faces-more-unrest-after-high-court-confirms-frelimo-victory]

Euronews França/Europa
[Link: https://www.euronews.com/2025/01/09/mozambique-opposition-leader-returns-from-self-exile-as-police-break-up-demonstration]

DW (Deutsche Welle) Alemanha
[Link: https://www.dw.com/en/mozambique-tensions-rise-as-main-opposition-leader-returns/a-71253026]

VOA (Voice of America) Estados Unidos
[Link: https://www.voanews.com/a/mozambique-council-to-rule-on-election-results-monday/7910484.html]

Ver o meu nome associado a essas publicações históricas, que moldam diariamente a opinião pública global, foi e continua sendo o maior orgulho da minha trajectória profissional. Cada reprodução de uma fotografia minha, cada crédito dado ao meu trabalho, era como uma medalha de reconhecimento por anos de dedicação silenciosa, muitas vezes longe dos holofotes.

Além do reconhecimento, a experiência rendeu frutos financeiros consideráveis, permitindo-me investir ainda mais na minha formação, no aprimoramento do meu equipamento e, principalmente, na ampliação da minha visão sobre o poder transformador do fotojornalismo. Mais do que imagens congeladas no tempo, compreendi que cada clique era um registro vivo da história em construção e que, de alguma forma, eu fazia parte dela.

Serei eternamente grato pela confiança depositada em mim, tanto por Charles Mangwiro, que fez a ponte inicial, como pela equipe da Associated Press que acreditou no meu olhar fotográfico para narrar um momento tão crucial da história política de Moçambique. Esta experiência não apenas validou a qualidade do meu trabalho, como também reforçou o meu compromisso de continuar a documentar, com rigor e sensibilidade, os momentos que definem o nosso tempo.

Hoje, mais do que nunca, acredito que a fotografia é uma linguagem universal e sei que as imagens que captei atravessaram fronteiras e chegaram a públicos diversos, despertando olhares, reflexões e emoções em cada canto do mundo.