XENOFOBIA
TEXTO: BENTO VENÂNCIO
FOTOS: CARLOS UQUEIO
A xenofobia na África do Sul está a revelar cidadãos ingratos, aqueles que mordem a mão que um dia foi estendida para ajudá-los e levantá-los. Este é o sentimento que domingo encontrou no Centro de Acolhimento de Maguaza, algures em Moamba, lugar de trânsito de cidadãos moçambicanos que sentiram na pele as mazelas da onda de xenofobia que atingiu recentemente este país vizinho.
Eram cerca das vinte e duas horas quando cento e trinta e oito cidadãos, entre os quais 16 crianças, atravessaram a fronteira de Ressano Garcia e repisaram o solo pátrio.
Eles faziam-se transportar em três autocarros. Um camião trazia o pouco que escapou dos saques.
Os meios de transporte foram agenciados no quadro de um trabalho combinado do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), do Instituto Nacional para as Comunidades Moçambicanas no Exterior (INACE) e da Organização Internacional da Migração, que facilitou a evacuação daqueles que voluntariamente regressaram à origem.
Uma hora depois, cerca das vinte e três horas, davam entrada no Centro de Acolhimento de Maguaza, arredores da vila-sede do distrito da Moamba, província de Maputo, onde a noite fria ombreava com o cinzentismo de um momento de triste memória. Crianças e adultos choramingavam. Para trás chutavam a humilhação em terra alheia, onde perderam tudo, menos a esperança.
Repisavam o solo pátrio com a firmeza de quem tem a certeza de que “em nossa casa ninguém mais nos humilhará”, contudo, traziam no rosto um sorriso curto, agridoce, de quem desperta de enorme pesadelo.
Fomos batidos, humilhados, enfim, tratados como lixo, declararam algumas vítimas da xenofobia repatriadas da África do Sul, pouco depois da chegada ao centro de acolhimento.
E foram mais longe: parece que alguns cidadãos sul-africanos têm pavio curtíssimo e facilmente se esqueceram que Moçambique e outros países da região os acolheu nos tempos difíceis da segregação racial na África do Sul. Viviam, num passado recente, agrilhoados como escravos.
E sublinharam ainda: O “apartheid” definia-os como seres inferiores e catalogava-os como seres sub-humanos. Seus líderes viveram refugiados nas nossas terras, onde eram tratados de forma digna. Fizemos da luta deles uma luta também nossa. Perdemos muita coisa e até um Presidente para que eles ficassem livres. Já se esqueceram.
Descreveram a xenofobia como acto bárbaro praticado, tristemente, de irmão para irmão e levado ao extremo de matar mulheres, homens e crianças, apenas porque buscavam sustento numa terra que não é a deles.
Afiançaram que o número real de mortes está por revelar e o que está a acontecer no território sul-africano é uma verdadeira chacina aos estrangeiros, facto que deve ser levado muito a sério pelos restantes Estados africanos.
domingo apurou que parte dos repatriados regressou à terra que os viu nascer apenas com a roupa do corpo. Suas residências foram saqueadas e queimadas, sobretudo na região de Mandela, arredores de Joanesburgo.
Numa terra onde a palavra de ordem parece ser matar o estrangeiro, visto como o tal que “rouba” oportunidades de emprego, cidadãos repatriados guardam recordações amargas. As crianças ainda se agarram às mães com firmeza. Vivem com medo.
Vimos mães com duas, três crianças sob sua protecção, sem nada para oferecer, porque tudo foi roubado. Vimos pais cabisbaixos, sem chão para enterrar mágoas vividas na terra do “rand”, mágoas que marcam um presente que estremece e que condiciona o futuro dos seus.
Começaram a abandonar o Centro de Trânsito na sexta-feira, rumando às zonas de origem, designadamente Maputo, Gaza, Inhambane e Zambézia, segundo apontou Augusta Maíta, directora-geral do INGC.
Estamos satisfeitos com as condições no Centro de Trânsito. São as melhores possíveis, declarou, esclarecendo que os repatriados permaneceriam pouco tempo possível antes de rumarem para destino final, designadamente as províncias de Maputo, Gaza, Inhambane e Zambézia.
Logo após a chegada, alguns repatriados tiveram cuidados de saúde, pois, segundo Maíta, estava posicionada uma equipa médica em prontidão.
Continua...
Publicado in ''Jornal Domingo''